Joaquim José da Silva Xavier, mais conhecido por sua alcunha “Tiradentes”, um revolucionário do Brasil colonial, nascido em 1746 na Fazenda de Pombal, na capitania das Minas Gerais. Filho do português Domingos da Silva Xavier, proprietário rural, e da portuguesa nascida na colônia do Brasil, Maria Paula da Encarnação Xavier, tendo sido o quarto dos nove filhos.

Em 1751, morre sua mãe e em 1757 morre seu pai. Com a morte prematura dos pais, logo sua família perde as propriedades por dívidas. Não fez estudos regulares e ficou sob a tutela de seu tio e padrinho Sebastião Ferreira Leitão, que era cirurgião dentista. Trabalhou como mascate e minerador, tornou-se sócio de uma botica de assistência à pobreza na ponte do Rosário, em Vila Rica, e se dedicou também às práticas farmacêuticas e ao exercício da profissão de dentista, o que lhe valeu o apelido de Tiradentes.

Em 1772, após defender um escravo, foi preso e perdeu sua licença de mascate. Com os conhecimentos que adquirira no trabalho de mineração, tornou-se técnico em reconhecimento de terrenos e na exploração dos seus recursos. Começou a trabalhar para o governo no reconhecimento e levantamento do sertão sudestino. Em 1780, alistou-se na 6ª Companhia de Dragões do Regimento de Cavalaria Regular da Capitania de Minas Gerais; em 1781 foi nomeado comandante do destacamento dos Dragões na patrulha do “Caminho Novo”, estrada que servia como rota da produção mineradora da capitania mineira ao porto Rio de Janeiro. Insatisfeito por não conseguir promoção na carreira militar, tendo alcançando o posto de alferes, patente inicial do oficialato à época, e por ter perdido a função de marechal da patrulha do Caminho Novo, pediu licença da cavalaria em 1787.

A partir deste momento a história começa a se desencontrar, onde por um caminho surge um Tiradentes revolucionário e por outro surge um Tiradentes revoltado.

A Grande Enciclopédia Luso-Brasileira destaca que, após se licenciar da Cavalaria, dispôs-se a explorar uma pequena mina, mas como essa iniciativa não produziu resultado, contraiu dívidas, que em parte alteraram o seu caráter, tornando-se um revoltado. Então mudou-se para o Rio de Janeiro, onde viveu por cerca de um ano, tentou promover uma iniciativa pública para canalizar as águas dos rios Andaraí e Maracanã para melhorar a distribuição de água, mas o governo vetou a sua proposta. Isso fez com que aumentasse sua indignação perante o domínio português. Retornou para Minas Gerais, em 1789, e já corriam ideias revolucionárias por algumas vilas mineiras, algo que atraiu o seu interesse. Alguns historiadores relatam que Tiradentes teria estabelecido relações com o Dr. José Alves Maciel, recém retornado da Europa, e influenciado por ideias democráticas e teria entusiasmado Tiradentes a lutar pela independência.

Outro relato é que tem ganho mais força como verdadeiro: quando retornou para Minas Gerais conheceu um movimento aliado a integrantes do clero e da elite mineira, dentro os quais se encontra os padres Carlos Correia de Toledo e Melo, José da Silva e Oliveira Rolim e Manuel Rodrigues da Costa, o tenente-coronel Francisco de Paula Freire de Andrade, os coronéis Domingos de Abreu Vieira e Joaquim Silvério dos Reis, os poetas Cláudio Manuel da Costa, Inácio José de Alvarenga Peixoto e Tomás Antônio Gonzaga, ex-ouvidor, qual planejavam a independência de Minas Gerais, denominado posteriormente de “Inconfidência Mineira”.

Todo esse movimento começou em Vila Rica (hoje Ouro Preto) que era a cidade mais rica do estado, tendo uma vida europeia com orquestras, teatro e grupos literários. Todo este movimento iniciou em razão da cobrança sobre o ouro que era extraído das minas. Esta cobrança iniciou em 1756. Nesta época, o Marquês de Pombal impôs uma cobrança de ouro de 1/5 sobre o peso do mesmo que deveria ser enviado a Portugal por 10 anos consecutivos (10 anos que acabaram durando 60 anos). Com as minas de ouro em Vila Rica se esgotando, os mineiros não tinham como pagar o quinto do imposto e para piorar a situação, o Império de Portugal estabeleceu uma cota fixa de 1.500 kg por ano, não importando a quantidade de extração. A partir da nomeação de Luís da Cunha Meneses como governador da capitania, em 1783, ocorreu a marginalização de parte da elite local em detrimento de seu grupo de amigos. O sentimento de revolta atingiu o máximo com a decretação da derrama, uma medida administrativa que permitia a cobrança forçada de impostos a ser executada pelo novo governador da Capitania, Luís Antônio Furtado de Mendonça, 6.º Visconde de Barbacena, o que afetou especialmente as elites mineiras. Isso se fez necessário para se saldar a dívida mineira acumulada, desde 1762, do quinto, que à altura somava 768 arrobas de ouro em impostos atrasados.

Diferente do que se relata na história, Tiradentes era um dos membros do movimento dos inconfidentes, e não o líder ou um dos grandes idealizadores. Por ser um homem conhecido pelos pobres e pela elite de Minas, foi o seu mediador entre as duas classes. Outro detalhe importante era que todos os membros eram ligados a maçonaria, sob o pavilhão e o dístico maçônico do Libertas Quae Sera Tamen, que adorna o triângulo perfeito, com este fragmento de Virgílio.

A ideia da Inconfidência passou a tentar mobilizar o povo mineiro a iniciar uma revolução para se proclamar a independência de Minas Gerais e se fundar uma república. Diferente do que se conjecturou, os inconfidentes não pensavam em libertar o Brasil, mas sim Minas Gerais.

Em 15 de março de 1789, os inconfidentes saíram às ruas prontos para lutarem por seus ideais e direitos, contudo o movimento não deu certo. Joaquim Silvério dos Reis (membro dos inconfidentes) traiu os demais e juntamente com Basílio de Brito Malheiro do Lago e Inácio Correia de Pamplona, em troca do perdão de suas dívidas com a Real Fazenda, delataram o plano às autoridades.

Em 14 de março, o Visconde de Barbacena já havia suspendido a derrama o que esvaziara por completo o movimento. Ao tomar conhecimento da conspiração, Barbacena enviou Silvério dos Reis ao Rio para apresentar-se ao vice-rei, que imediatamente abriu uma investigação (devassa). Avisado, o alferes Tiradentes, que estava em viagem licenciada ao Rio de Janeiro escondeu-se na casa de um amigo, mas foi descoberto e foi preso em 10 de maio. Dias depois o Visconde de Barbacena iniciava as prisões dos inconfidentes.

Em 15 de junho de 1789 dava início ao processo contra os inconfidentes.

Tiradentes ficou preso na “Cadeia Velha”, localizada no prédio da antiga Câmara do Rio de Janeiro, hoje encontra-se o atual Palácio de Tiradentes. Durante os quase 4 anos que ficou preso, o processo do julgamento ainda se desenrolava na justiça, até que em 1792, chegou a um veredicto. E é a partir deste momento que a história de Tiradentes começa ser mitificada.

De acordo com o advogado Mário Caldonazo, o defensor público dos 29 acusados teve 21 dias para ler todo o processo e elaborar os argumentos de defesa. O processo durou de 1789 a 1791 e Tiradentes foi interrogado em 11 oportunidades. Nos primeiros depoimentos Tiradentes negou qualquer envolvimento, assim como os demais acusados, assumindo a autoria posteriormente e inocentando seus demais companheiros. Estes 11 depoimentos foram realizados pois os inquisidores estavam inseguros nas declarações de Tiradentes, vez que a falta de firmeza em seus depoimentos não demonstravam o papel de líder que este se auto proclamava. Dizem estudos que Tiradentes, por ser o membro de menor preparo cultural e poucos amigos, foi a melhor escolha para desempenhar o papel de um bode expiatório que livraria da morte os verdadeiros chefes, uma vez que alguns deles eram membros do Exército, como o tenente-coronel Francisco de Paula Freire de Andrade, comandante dos Dragões, e o coronel Domingos de Abreu e Viera, além de também entre os membros terem havido padres, artistas, funcionários públicos, comerciantes, etc..

Presos, todos os inconfidentes aguardaram durante três anos pela finalização do processo. Alguns foram condenados à morte e outros ao degredo; algumas horas depois, por carta de clemência de D. Maria I, todas as sentenças foram alteradas para degredo, à exceção apenas para Tiradentes, que continuou condenado à pena capital, porém não por morte cruel como previam as Ordenações do Reino: Tiradentes foi enforcado.

Os réus foram sentenciados pelo crime de “lesa-majestade”, definida, pelas ordenações Afonsinas e as Ordenações Filipinas, como traição contra o rei. Crime este comparado à hanseníase pelas Ordenações Filipinas.

E assim, numa manhã de sábado, 21 de abril de 1792, Tiradentes percorreu em procissão as ruas do centro da cidade do Rio de Janeiro, no trajeto entre a cadeia pública e onde fora armado o patíbulo. O governo geral tratou de transformar aquela numa demonstração de força da coroa portuguesa, fazendo verdadeira encenação. A leitura da sentença estendeu-se por dezoito horas, após a qual houve discursos de aclamação à rainha, e o cortejo munido de verdadeira fanfarra e composta por toda a tropa local.

Executado e esquartejado, com seu sangue se lavrou a certidão de que estava cumprida a sentença, tendo sido declarados infames a sua memória e os seus descendentes. Sua cabeça foi erguida em um poste em Vila Rica, tendo sido rapidamente cooptada e nunca mais localizada; os demais restos mortais foram distribuídos ao longo do Caminho Novo: Santana de Cebolas (atual Inconfidência, distrito de Paraíba do Sul), Varginha do Lourenço, Barbacena e Queluz (antiga Carijós, atual Conselheiro Lafaiete), lugares onde fizera seus discursos revolucionários. Arrasaram a casa em que morava, jogando-se sal ao terreno para que nada lá germinasse. Algumas versões sugerem que o seu enforcamento foi uma encenação, que ele havia sido assassinado na prisão.

Outra versão, menos confiável, retrata que durante todo o processo, ele admitiu voluntariamente ser o líder do movimento, porque tinha a promessa que livrariam a sua cabeça na hipótese de uma condenação por pena de morte. Em 21 de abril de 1792, com ajuda de companheiros da Maçonaria, foi trocado por um ladrão, o carpinteiro Isidro Gouveia. O ladrão havia sido condenado à morte em 1790 e assumiu a identidade de Tiradentes, em troca de ajuda financeira à sua família, oferecida a ele pela Maçonaria. Gouveia foi conduzido ao cadafalso e testemunhas que presenciaram a sua mor-te se diziam surpresas porque ele aparentava ter bem menos que seus 45 anos.. No livro, de 1811, de autoria de Hipólito da Costa (“Narrativa da Perseguição”) é documentada a diferença física de Tiradentes com o que foi executado em 21 de abril de 1792. O escritor Martim Francisco Ribeiro de Andrada III escreveu no livro “Contribuindo”, de 1921: “Ninguém lhe viu o rosto, e até hoje se discute se ele era feio ou bonito.”

O corpo do ladrão Gouveia foi esquartejado e os pedaços espalhados pela estrada até Vila Rica (MG), cidade onde o movimento se desenvolveu. A cabeça não foi encontrada, uma vez que sumiram com ela para não ser

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Fotografia PB

descoberta a farsa. Os demais inconfidentes foram condenados ao exílio ou absolvidos.

Tiradentes não morreu como herói ou um mártir. Ele morreu como um rebelde, como um traidor. O qual teve o infortúnio de levar a pior. A Coroa Portuguesa não poderia deixar aquilo passar em branco. Ela deveria dar o exemplo, e isso recaiu sobre as costas de Tiradentes, o qual acabou servindo de exemplo a população, para quem tentasse promover algum ato revolucionário, sofreria as mesmas consequências.

Somente quase um século depois, durante o processo republicano que culminou na Proclamação da República, em 15 de novembro de 1889 é que passou a ser lembrado pela história e tornou-se “mártir” ou um “herói nacional”. Até lá, viveu no anonimato.

Mas como ele se tornou um mártir, um herói?

Várias foram as revoltas ocorridas no Brasil durante estes períodos, sendo que a partir da Inconfidência Mineira (1789), aconteceram, dentre as mais importantes a Conjuração Baiana (1798), a Revolução Pernambucana (1817), a Guerra dos Farrapos (1835-1845) e a Guerra do Paraguai (1864-1870). Todos estes movimentos tiveram líderes, candidatos a serem heróis populares, mas porque a escolha de Tiradentes.

Vários são os motivos. Primeiro, pertencia ao exército, quais foram os grandes responsáveis pela Proclamação da República. Foi um homem da classe baixa (intuito de se remeter a questão do “povo”, do “popular”), foi o único a ser culpado e executado e teve a execução presidida por discursos que salvavam e glorificavam a rainha Dona Maria I. Os republicanos viram nisso uma reafirmação de seus ideais, ou seja, um “rebelde contra a opressão da monarquia portuguesa”, dando a entender ao povo que era isso que eles queriam, que o republicanismo seria a liberdade da opressão monárquica.

Outra discussão é em relação a sua imagem, sua retratação. Nenhum retrato seu foi pintado na época. Utilizaram então os republicanos uma imagem semelhante a de Jesus Cristo, ou seja, homem de longa barba e cabelos. A primeira imagem dele é datada de 1889, sendo certo que os pintores não tinham como o retratar a época, se criou um “personagem”.

Neste caso, em 1889, foi encomendado ao renomado artista André Delpino (1864-1942) o trabalho de se pintar a imagem oficial de Tiradentes. Então, Delpino desenhou uma imagem de perfil do mártir da Inconfidência, ainda usando o “laço da morte” envolta do seu pescoço.

Hoje, os historiadores tem demonstrado que na realidade, a história é outra. Como Tiradentes serviu no exército, era alferes, ele não poderia ter os cabelos e a barba longos, no máximo um bigode. Na prisão, era comum os presos terem as cabeças raspadas ou cabelos curtos e a barba feita, para se evitar problemas com piolhos, algo comum em muitas prisões antigas, pois os presos não tinham o direito de tomar banho com frequência, e para se evitar a proliferação de piolhos, era comum ter os cabelos e a barba aparados.

Com isso, a ideia de se representar Tiradentes com cabelos longos e barba, parecido com Jesus, era uma forma de se reforçar sua mitificação, e a imagem de “bom homem”. Além do mais, o Brasil desde a época colonial e até hoje é predominantemente católico, e Jesus Cristo era a figura mais conhecida pelo povo.

Logo, tornar Tiradentes parecido com Jesus, era uma boa maneira de torná-lo conhecido aos olhos da nação, e reforçar sua importância. Concluído esta mitificação da imagem de Tiradentes, os representantes republicanos lhe consagraram uma data comemorativa que de fato veio a se tornar feriado nacional, o dia 21 de abril (transformando quase que em nula a data do “Descobrimento do Brasil”, em 22 de abril).

E então, será que Tiradentes foi realmente um herói ou será que foi um mártir criado?

Fontes: jusbrasil.com.br, por Diego Augusto Bayer (Diego Bayer é advogado criminalista, doutorado em Direito Penal, professor de Penal e Processo Penal da Católica de Santa Catarina e autor de obras jurídicas.

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