O ex-presidente do Brasil, Jair Bolsonaro, não vai poder assistir à posse de Donald Trump, na próxima segunda-feira (20), de Washington D.C., apesar de ter afirmado ter recebido um convite do presidente eleito dos Estados Unidos.

Devido aos processos que responde na Justiça Brasileira, Bolsonaro teve o seu passaporte confiscado pela Polícia Federal, a pedido do Supremo Tribunal Federal do País. Ao supostamente ter recebido o convite de Trump, Bolsonaro pediu à Corte autorização para ir ao evento. O pedido foi negado pelo Ministro Alexandre de Moraes, que argumentou que “O cenário que fundamentou a imposição de proibição de se ausentar do país, com entrega de passaportes, continua a indicar a possibilidade de tentativa de evasão do indiciado Jair Messias Bolsonaro, para se furtar à aplicação da lei penal”.

O jornal americano The New York Times entrevistou Bolsonaro sobre sua tentativa de ir à posse de Trump, destacando o quão diferente foi o destino desses dois políticos com visões tão próximas.

Enquanto Trump retorna a função mais poderosa do mundo, Bolsonaro fica em casa por ordens judiciais.

Três investigações criminais distintas, e há expectativas generalizadas no Brasil — inclusive do próprio Bolsonaro — de que ele pode em breve estar no centro de um dos julgamentos de maior destaque da história do Brasil.

“Estou sendo observado o tempo todo”, disse Bolsonaro ao NYT, durante entrevista na qual ele expressou queixas, repetiu teorias da conspiração e confessou sua ansiedade sobre seu futuro. “Acho que o sistema não me quer preso; ele quer que eu seja eliminado.”

Mas os acontecimentos nos EUA dão a Bolsonaro esperança. O Sr. Trump, Elon Musk e Mark Zuckerberg estão liderando um esforço global pela liberdade de expressão, ele disse, e ele espera que isso possa de alguma forma transformar o cenário político no Brasil. “As redes sociais decidem as eleições”, ele disse ao jornal.

Bolsonaro acusa o juiz do Supremo Tribunal Federal, Alexandre de Moraes, de censurar vozes conservadoras e persegui-lo politicamente. O juiz Moraes de fato se tornou um dos policiais mais agressivos da internet, ordenando que as redes sociais bloqueassem pelo menos 340 contas no Brasil desde 2020, e frequentemente mantendo suas razões em segredo, diz o NYT.

Bolsonaro disse que ficou encantado na semana passada quando Zuckerberg, dono da Meta, disse que sua empresa iria “trabalhar com o presidente Trump para se virar contra governos estrangeiros que querem “censurar mais”. Um dos seus principais exemplos foram os “tribunais secretos” na América Latina “que podem ordenar que as empresas retirem as coisas silenciosamente”.

As autoridades brasileiras entenderam o recado. No dia seguinte, o juiz Moraes alertou que as redes sociais só poderiam operar no Brasil se seguissem a lei brasileira, “independentemente da bravata dos executivos das grandes empresas de tecnologia”.

Bolsonaro tem uma visão diferente. “Estou gostando do Zuckerberg”, disse ele ao NYT. “Bem-vindo ao mundo das pessoas boas, da liberdade.”

Como exatamente Trump e os executivos da tecnologia afetarão seus muitos desafios legais e políticos? Bolsonaro foi vago. “Não vou tentar dar dicas a Trump, nunca”, disse ele. “Mas espero que sua política realmente se espalhe para o Brasil.”

O NYT entrevistou Elizabeth Bagley, a embaixadora dos EUA no Brasil, que disse que a esperança de Bolsonaro de que os EUA pudessem resgatá-lo é absurdo. O governo dos EUA não interfere no processo judicial de outro país, disse ela.

Mas Bolsonaro tem problemas maiores do que censura. No ano passado, a polícia federal do Brasil o acusou formalmente de três crimes

No primeiro deles, a polícia diz que Bolsonaro recebeu dinheiro da venda de joias que recebeu como presentes do estado, incluindo um relógio Rolex de diamantes da Arábia Saudita, que seu assessor vendeu em um shopping da Pensilvânia. Bolsonaro culpou a situação por regras pouco claras sobre quem possuía tais presentes.

Em um segundo caso, a polícia diz que ele participou de um complô para falsificar seus registros de vacinação contra o Covid-19 para que pudesse viajar aos Estados Unidos. Bolsonaro disse que não recebeu a vacina, mas negou saber de esforços para falsificar seus registros.

E na acusação mais grave, a polícia diz que Bolsonaro “planejou, agiu e teve controle direto e efetivo sobre” uma conspiração para executar um golpe.

A polícia federal divulgou recentemente dois relatórios, totalizando 1.105 páginas, que detalham suas acusações, incluindo que Bolsonaro editou pessoalmente um decreto de estado de emergência nacional projetado para impedir que o vencedor da eleição, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva, tomasse posse.

Bolsonaro abandonou o plano depois de ter o apresentado a três líderes militares brasileiros e dois deles terem se recusado a participar, disse a polícia.

Na entrevista ao NYT, Bolsonaro negou veementemente qualquer plano de golpe — ele entregou o poder, afinal, ele disse — mas admitiu ter discutido o decreto. “Não vou negar a vocês”, ele disse. “Mas na segunda conversa foi desistido.”

Ele disse que considerou um estado de emergência porque acreditava que a eleição havia sido roubada, mas o juiz Moraes havia bloqueado o pedido do seu partido para anular os resultados. Então sua equipe percebeu que o Congresso também teria que aprovar a medida. “Esqueça”, ele disse. “Nós perdemos.”

No entanto, a polícia disse que havia um plano muito mais obscuro no centro da conspiração: assassinar Lula, seu companheiro de chapa e o Juiz Moraes. A polícia prendeu cinco homens que acusa de planejar os assassinatos, quatro deles de uma unidade militar de elite brasileira.

Os homens, disse a polícia, foram enviados ao bairro do Juiz Moraes várias semanas antes da posse de Lula. Eles estavam preparados para sequestrar o juiz, mas abandonaram a trama depois que Bolsonaro não declarou o estado de emergência, disse a polícia.

A polícia disse que Bolsonaro estava ciente do plano. A evidência mais próxima que a polícia divulgou foi que o plano havia sido impresso nos escritórios presidenciais e depois levado para a residência presidencial.

Bolsonaro negou que soubesse de algo sobre tal conspiração. “Quem fez esse possível plano deve responder”, disse ele. “Da minha parte, não houve nenhuma tentativa de executar três autoridades.”

Ele então minimizou as acusações. “Mesmo assim, acho que foi apenas mais uma fantasia — bravata. Nada. Esse plano é inviável. Impossível”, disse ele. Ele admitiu que conhecia o líder acusado da conspiração. “Todos são responsáveis ​​por suas ações”, disse ele. “Embora, até onde eu saiba, ele não tenha tomado nenhuma atitude.”

O procurador-geral do Brasil está avaliando se deve indiciar o ex-presidente, o que provavelmente levaria a um julgamento de alto nível neste ano e a uma possível sentença de prisão.

Enquanto mantém sua inocência, Bolsonaro admite que se preocupa com sua liberdade porque o Juiz Moraes poderia ajudar a condená-lo. “Não estou preocupado em ser julgado”, disse ele. “Minha preocupação é quem vai me julgar.”

Bem diferente dos EUA, os tribunais do Brasil já tomaram medidas. Seis meses após ele deixar o cargo, o tribunal eleitoral do Brasil barrou Bolsonaro de concorrer a presidência até 2030 por causa de seus ataques aos sistemas de votação do Brasil.

Bolsonaro chamou a decisão de “um estupro da democracia” e disse que estava tentando encontrar uma maneira de concorrer na eleição presidencial do ano que vem.

Pesquisas mostram que Bolsonaro continua sendo de longe o candidato conservador mais popular do Brasil, mas muitos na direita estão buscando novas opções.

Fonte: Texto original no The New York Times

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