Depois de ter ficado trancado na casa de seu vizinho Heitor que sumira com a esposa Melinda sem deixar rastro, Durval havia tentado sair pelos fundos sem sucesso, pois tivera a atenção desviada pela enigmática e hipnótica caveira com chifres na biblioteca. Então alguém se pôs a tocar a campainha insistentemente, como se o mundo fosse acabar, sem pausas, insuportável. Ao voltar até a sala e olhar pela janela, Durval descobriu que quem tocava era sua esposa Dolores que acenou com a mão e gritou: “O assassino está aí dentro com você!”
Durval não entendeu de primeira:
— O que foi, Dodô? Não consigo sair. A porta está trancada. O que você disse?
Dolores repetiu pausadamente: — O assassino… está… aí dentro… com você!
Durval gelou.
Dolores gritou mais uma vez: — Saia daí, agora!
Imediatamente Durval ergueu a bengala com as duas mãos. Mesmo correndo o risco de cair, era melhor ter uma arma precária do que submeter-se a quem quer que fosse. Se ia morrer, o faria lutando até o fim, não era um covarde. Virou-se com a bengala em riste e fitou a sala vazia.
Voltou a apoiar a bengala no chão e inclinou o corpo de modo a ver toda a extensão do corredor. Também estava vazio. Dolores só podia ter enlouquecido. Não havia ninguém dentro da casa com ele. Já fora e voltara por aquele corredor e podia garantir que a casa estava totalmente vazia.
Voltou-se para a janela da sala. Dolores continuava no portão da rua.
— Não há ninguém aqui, Dodô! Você está enganada.
— Saia daí pelo amor de Deus! Ele está aí dentro!
— Ele quem, afinal?
— O Botelho!
— Vou sair pelos fundos.
Durval se pôs mais uma vez em marcha pelo bendito corredor da casa de Heitor. Não sabia como iria sair pelo portão da rua uma vez que devia estar trancado também, mas pensaria nisso depois. Uma coisa de cada vez.
Se de fato, Botelho fosse o assassino e tivesse a intenção de matá-lo, não o faria com Dolores na rua como testemunha. Mas quem sabe o que se passa na mente de um assassino? Se tudo aquilo fosse verdade, Botelho já havia tentado assassiná-lo quando o empurrou para o precipício dentro de seu Corcel. A perna quebrada e a bengala foram as sequelas que guardava até hoje. Será que realmente o canalha do professor de biologia, que dizia ser seu amigo, havia tentado assassiná-lo? E por quê? Nem ele nem Dolores sabiam coisa alguma sobre o cadáver que aparecera há alguns dias na cozinha de sua casa. Se alguém deveria estar na mira do assassino era Heitor que sabia tudo sobre o Botelho e o tal homem que chifres. De qualquer forma, Heitor havia desaparecido junto com a esposa. Será que Durval e Dolores seriam os próximos?
Já estava no meio do corredor quando avistou a porta da biblioteca que continuava entreaberta. Ao passar percebeu distintamente, pelo vão da porta, uma sombra mover-se lá dentro. Realmente tinha alguém ali com ele.
Episodio LVI continuana próxima edição.
JOSÉ GASPAR
Escritor, trader e colecionador de palavras estranhas
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