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Em 1942, ao ser apresentado a Walt Disney nos Estados Unidos, o músico José do Patrocínio Oliveira logo emendou uma conversa usando seu inglês carregado de sotaque. Ao ouvi-lo, o desenhista recomendou: “Não tente ser americano, já temos americanos suficientes aqui. Seja brasileiro”. Isso Oliveira sabia fazer muito bem. Inspirado nele, Disney criou seu personagem brasileiro: o Zé Carioca (“Joe Carioca”, no original). Só que o homem por trás do papagaio era… paulista!

Nascido na cidade de Jundiaí em 1904, o violonista e cavaquinista Oliveira, chamado pelos amigos de Zézinho, tinha um bocado de trejeitos. “Ele era todo rapidinho, não parava de se mexer nem de falar”, conta o diretor de TV José Amâncio.

“Não é que Zézinho tivesse um jeito parecido com o do personagem. Ele simplesmente era o Zé Carioca!” No Brasil, a estréia do papagaio verde e amarelo viria ainda em 1942, com Alô, Amigos (bizarramente batizado de “Saludos Amigos” em inglês), uma pioneira mistura de filme e desenho animado. Nele, Zé Carioca – dublado pelo próprio Zézinho – recebe o Pato Donald em terras brasileiras.

Além de ser sucesso de público, Alô, Amigos também agradou às autoridades americanas. Afinal, o filme dos Estúdios Disney se encaixava perfeitamente na Política da Boa Vizinhança, lançada na década de 30 pelo presidente americano Franklin Roosevelt com o objetivo de manter toda a América alinhada com os Estados Unidos – e afastada da influência de comunistas e fascistas. O responsável pela doutrina era o OCIAA (sigla em inglês para “Escritório do Coordenador de Assuntos Interamericanos”), que encomendou a Disney – uma espécie de “embaixador não-oficial” da Política da Boa Vizinhança – personagens que conquistassem a simpatia da América Latina.

Para agradar os mexicanos, Disney criou o galo Panchito. Na hora de homenagear o Brasil, o desenhista decidiu usar um papagaio. Há diferentes versões de como isso ocorreu. A mais aceita é contada pelo escritor Ezequiel de Azevedo em O Tico-Tico: Cem Anos de Revista.

Segundo ele, durante uma visita a nosso país em 1941, Disney ganhou do cartunista J. Carlos o desenho de um papagaio abraçando o Pato Donald. Pronto, estava escolhido o animal – faltava só dar personalidade a ele. Então, no ano seguinte, Disney foi apresentado a Zézinho. E seu papagaio ganhou chapéu de malandro, gravata borboleta, um guarda-chuva para usar como bengala e uma fala temperada por ginga e malandragem.

“Muita gente pensa que o Zézinho fez aquela voz do Zé Carioca especialmente para os desenhos. Não fez, era a voz dele mesmo”, diz José Bonifácio de Oliveira Sobrinho, o Boni, diretor da TV Vanguarda. Em 1957, aos 22 anos, Boni reencontrou o músico e manteve com ele uma amizade que durou 30 anos – em que não faltavam “causos” sobre como era a vida de personagem de desenho animado. “Disney dizia que o Zézinho tinha até nariz de papagaio. E o levava para o estúdio, botava um chapéu nele, dava um guarda-chuva na mão dele e pedia para ele andar, sambar, rebolar… Os desenhistas ficavam assistindo para fazer o papagaio se mexer do mesmo jeito. E o Zézinho dizia: ‘Mas eu não sei rebolar, sou paulista!’”

Antes e acima de ser o Zé Carioca, Zézinho era um grande músico. Desde a década de 30, acompanhava as cantoras Aurora e Carmen Miranda, quando as duas cumpriam agenda pré-carnavalesca. O músico, por exemplo, era ex-funcionário do Instituto Butantã de São Paulo, conhecido pelo estudo de animais peçonhentos. “Quando se empolgava, falava das cobras pelos nomes delas em latim”, escreve Ruy Castro. O amigo José Amâncio relembra que outra coisa não saía da cabeça de Zézinho: todos os pontos das linhas de trem de São Paulo. “Ele tinha mania de citar um por um, na ordem certa.”

A incrível memória de Zézinho permitiu que ele decorasse praticamente todas as músicas de Carnaval já feitas até então. “A gente dizia o ano, e ele então enumerava cada marchinha e samba. Se a gente pedia, ele cantava”, conta Boni. Além de violão e cavaquinho, Zezinho era um ás no bandolim e em mais de dez instrumentos. Foi para os Estados Unidos no fim dos anos 30, no rastro do sucesso de Carmen Miranda. Lá, gravou três discos com Aurora e, em 1942, passou a fazer parte do Bando da Lua, o conjunto de músicos que costumava acompanhar as duas irmãs.

Em 1942, Zézinho estreou no cinema tocando com o Bando da Lua no filme Minha Secretária Brasileira, estrelado por Carmen Miranda. Logo depois, em Alô, Amigos, ele fez mais do que dublar Zé Carioca: apareceu tocando “Na Baixa do Sapateiro” e “Os Quindins de Iaiá”, de Ary Barroso. Em 1944, ele voltou a dar voz a Zé Carioca e a atuar em mais uma combinação de filme e desenho animado produzida pelos Estúdios Disney: o clássico Você já Foi à Bahia?. Lá, ao lado de Aurora, ele tocou “Aquarela do Brasil”, também de Ary Barroso, e “Tico-Tico no Fubá”, de Zequinha de Abreu.

A música brasileira, que tinha conquistado os Estados Unidos com Carmen Miranda, ganhava ainda mais espaço com o empurrão dado por Disney no cinema. Após a estreia de Você já foi à Bahia?, Zézinho tocou com Aurora no México. Segundo Ruy Castro, apesar da fama da cantora, o nome dela era o segundo nos cartazes dos shows. Vinha logo abaixo de “Joe Carioca” – Zézinho tinha assumido o nome do papagaio por causa de sua popularidade. O músico tocou samba até os 75 anos, em vários estados americanos e na própria Disneylândia, na Califórnia. Sua primeira aparição por lá foi na inauguração do parque temático, em 1955 – entrou no palco anunciado pelo próprio Disney. Assim como Zé Carioca em Alô, Amigos, Zézinho era um caloroso anfitrião: fazia questão de manter as portas de sua casa nos Estados Unidos sempre abertas, transformando-a numa espécie de embaixada informal do Brasil. “Os amigos queriam conhecer melhor Hollywood, ver como as coisas eram feitas lá. Eu combinava com Zézinho e ele nos levava para todos os estúdios. Todo mundo por lá o conhecia”, diz Boni.

No início dos anos 80, o amigo José Amâncio visitava a Disneylândia pela primeira vez, acompanhado por Zézinho. Assim que chegou ao parque, espantou-se ao ver todos os funcionários cumprimentando o músico e dizendo: “Hey, Joe Carioca”.

Descobri naquele dia como ele era que-rido”, diz. Zézinho já tinha quase 80 anos quando esse fato aconteceu – e o filme de estreia do personagem já tinha mais de 40 anos.

Em 1987, Zézinho morreu. E saiu de cena no melhor estilo Zé Carioca. “Na lápide dele está escrito: ‘Demais!’ Porque para ele tudo era ‘demais’”, diz o empresário José do Patrocínio Oliveira Júnior, o filho do papagaio. Ou melhor, do músico.

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