Há cerca de meio século, os brasileiros tornaram-se um povo emigrante. Saem do Brasil sobretudo em busca de melhor qualidade de vida e dirigem-se a países onde acreditam que irão encontrar essa condição. Os Estados Unidos estão entre os destinos favoritos dos brasileiros, abrigando entre 800 mil a 1.3 milhão de imigrantes, segundo dados do Ministério das Relações Exteriores. Eles estão principalmente na costa leste do País, têm um nível educacional alto, quando comparados a outras comunidades imigrantes, e participam ativamente da economia americana, demostrando nível de desemprego baixo.
Esses e muitos outros dados são resultados de anos de pesquisa dos brasileiros Álvaro Lima (foto) e Allani Barbosa de Castro, que culminaram no recém-lançado livro “Brasileiros nos Estados Unidos – Meio século (re)fazendo a América (1960 – 2010)”, publicado pela Fundação Alexandre de Gusmão e disponível gratuitamente pra download no site: http://funag.gov.br.
Para analisar cinco décadas de imigração, os autores tiveram como ponto de partida dados oficiais disponíveis tanto de fontes brasileiras como americanas, mas também as suas próprias experiências pessoais e profissionais. Álvaro Lima é diretor de pesquisa da Prefeitura de Boston, onde trabalha diretamente com a população local, que inclui um significativo número de imigrantes. Lima é também fundador do site Digaaí, uma plataforma digital que reúne cerca de 7 mil publicações produzidas pelas comunidades imigrantes brasileiras no mundo. Allani Barbosa de Castro atua no Sebrae de Minas Gerais desenvolvendo projetos voltados para empreendedores brasileiros no exterior e também aos que retornam ao Brasil.
No Livro, Alvaro e Allani analisam a evolução da comunidade brasileira nos Estados Unidos desde a década de 60, mostrando por meio de gráficos e estatísticas as mudanças no perfil do emigrante brasileiro, as suas conquistas e os desafios atuais.
Numa entrevista exclusiva ao The Brasilians, Álvaro Lima conta como foi a produção da obra e destaca as informações principais que os leitores vão encontrar. Confira a seguir.
THE BRASILIANS: Como foi a produção do “Brasileiros nos Estados Unidos – Meio século (re)fazendo a América (1960 – 2010)”? Quais dificuldades encontraram?
ÁLVARO LIMA: Parte dos dados são resultados de pesquisas originais que eu fiz aqui e Allani no Brasil. Outros são de uma série de instituições, como o censo americano, Ministério das Relações Exteriores e Organização Mundial de Imigração. Também usamos pesquisas da literatura existente. Há muita coisa nas universidades, mas tudo está muito disperso. Essa foi a dificuldade que nos deparamos; encontrar e reunir esses dados levou muito tempo. E por fim, ainda tivemos dez anos de documentação do Digaaí, que tem uma coleção bibliográfica com cerca de 7 mil publicações, incluindo os jornais comunitários. Isso é muito valioso porque dá para ver o que mudou e como mudou. Você vê as pessoas chegando do Brasil, as primeiras lojinhas brasileiras surgindo, a compra da casa, depois a venda da casa, as pessoas retornando. Tudo isso me ajudou a pensar no livro que eu queria escrever.
TB: Quando os brasileiros começaram a sair do Brasil e quais são as suas principais motivações?
AL: Historicamente, o fluxo começa nos anos 60 e explode nos anos 80 e início de 90 com a crise econômica e depois política do governo Collor. As pessoas emigram hoje mais ou menos pelos mesmos motivos: crise econômica e política, desorganização social, violência e insegurança. Esses elementos se repetem na história da emigração brasileira.
TB: Nos Estados Unidos, quantos somos hoje e onde estamos?
AL: Segundo dados do censo americano, há cerca de 300 mil brasileiros vivendo aqui. Para o Ministério das Relações Exteriores do Brasil, há entre 800 e 1.3 milhão de brasileiros nos Estados Unidos. Esse número é embasado por outras pesquisas, mas é muito difícil saber o número exato por questões políticas. Por exemplo, muitas pessoas não respondem ao censo. O maior número de brasileiros está na Flórida, Massachusetts, New Jersey, New York e Califórnia. Hoje o fluxo para a Flórida é o maior. Orlando tem uma comunidade nova que cresce muito rápido.
TB: Quais as conclusões mais importantes da pesquisa feita para a publicação do livro?
AL: O mais importante foi ver o progresso imenso que a comunidade brasileira fez, com integração econômica e social. Agora está começando a haver uma integração política. Pela primeira vez, temos três candidatos brasileiros a vereador no estado de Massachusetts e uma candidata a prefeitura de Framingham (MA). É incrível porque eu cheguei neste país quando não tinha brasileiros, e hoje você vê que é uma comunidade de porte, de classe média, bastante diferente.
TB: O que você destacaria como os dados inéditos mais importantes do livro?
AL: sem dúvida esse aspecto da formação da classe média brasileira, o baixo nível de desemprego, grau de educação elevado e participação ativa no mercado de trabalho americano. Quando você compara com outras comunidades, os brasileiros estão se dando melhor que outros grupos. Mas temos ainda dificuldade de transformar salário em riqueza. A proporção de brasileiros com casa própria, por exemplo, é muito pequena. Ainda não conseguimos transformar o que ganhamos em patrimônio.
TB: E esses brasileiros estão vindo para ficar?
AL: Eu penso que sim. Vemos inclusive que os que regressaram ao Brasil, estão voltando para cá. E o fluxo atual é diferente dos anteriores. Antes vinha muita gente de cidades de porte pequeno e médio, como Governador Valadares. Agora a emigração se espalha pelo Brasil todo e vem de grandes cidades, como Curitiba e São Paulo.
TB: O que os imigrantes brasileiros precisam hoje? O que as autoridades brasileiras e os líderes comunitários podem fazer?
AL: Há três coisas importantes neste momento: fazer aliança com outros setores e outras comunidades para combater e defender os imigrantes desse risco criado pelo governo Trump com a desumanização dos imigrantes. Segundo, iniciar uma conversa sobre a segunda geração de imigrantes brasileiros. Como a gente garante que essa segunda geração de um salto como normalmente acontece? Como fazê-los ter melhores condições do que a primeira? E não podemos esquecer que a primeira geração será a primeira de idosos brasileiros na América. Como garantir que a velhice seja melhor do que os anos duros de trabalhos? Como outras comunidades lidaram com isso? Por fim, o apoio do governo brasileiro a diferentes setores da comunidade, como os jovens, empresários. As organizações de peso que atuam aqui ainda estão muito voltadas para o Brasil, e não para a comunidade.