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Entre as coisas que me intrigam, a tatuagem sempre teve papel de destaque. Não tanto pelos próprios desenhos ou dizeres, mas muito mais pelo desejo ou coragem de se assumir uma marca tão duradoura.

Pessoas se tatuam para expressar o amor, o ódio, a crença, a descrença, o puro exibicionismo, e até mesmo para compensar a timidez dos gestos ou das palavras. Tatuagens não são explicadas por si só; sempre há uma razão ou indução anterior.

Por mais prazer ou arrependimento que algumas venham a trazer, uma coisa é certa: a pessoa realizou uma vontade, quer em uma discreta e minúscula pétala de flor, ou em um enorme e questionável monstro das trevas. Acredito que cada um tem seu gosto e o direito de realizá-lo.

Não comecei a pensar sobre tatuagens durante um show de rock, uma passeata de motoqueiros ou uma reportagem sobre presidiários, apesar dessa última palavra estar diretamente ligada à questão. Pensei em tatuagens ao acompanhar o sofrimento contínuo de pessoas que não conseguem se libertar de certas marcas do passado. Símbolos que muitas vezes são resultantes de situações que elas não tiveram como evitar. Tatuagens que não foram desejadas.

Foto: UvGroup/shutterstock.com

Muitas vezes esses quadros são decorrentes de fatores orgânicos específicos como a estatura, marcas de pele, e debilidades físicas, quer congênitas ou adquiridas; mas na maioria das vezes o fracasso acaba sendo a maior ferida.

O sentimento de inferioridade parece natural, quando nos referimos a crianças discriminadas ou mesmo agredidas em seus lares ou instituições, porém é cada vez mais comum encontrarmos pessoas se superando justamente em virtude desses sofrimentos. Heróis cotidianos que não precisam se revelar, pois já se acostumaram a degustar e sentir o sabor das vitórias, diária e solitariamente.

A inferioridade é gerada e mantida pelo medo que se tem do próximo fracasso. As pessoas se mantêm em constante ansiedade, ou seja, vivem com medo dos próximos medos, e dessa forma armazenam e se perdem em um complexo processo de retenção e controle de energias sem função. Sofrem por antecedência, não solucionando nem as perturbações futuras, nem os problemas presentes, o que resulta em ter que suportar a própria existência cheia de culpas, que na maioria das vezes, foram assumidas desnecessariamente.

Assumir culpas irreais talvez seja o mais sádico e sutil método de suicídio. A pessoa começa por admirar a forma simples como outras vivem e acredita que seu sofrimento é mero fruto da própria incompetência ou ignorância. Via de regra inicia-se o processo de somatização, em que o corpo expressa os sofrimentos pelos mais diferentes sintomas como: transpiração excessiva, taquicardia, vômitos, cefaléias, dores musculares, dificuldade respiratória, etc…

Como todos sabemos, não adianta apenas tratar os sintomas, é necessário encontrar as causas e destruí-las, ou aprender a conviver com elas. Qualquer médico reconhece que é mais fácil e eficaz tratar uma ferida exposta do que uma doença de sin-tomas leves e inesperados, pois no primeiro caso temos a possibilidade de extirpar o problema com uma ação talvez dolorosa, porém objetiva. No segundo, enquanto se busca o entendimento de um complexo diagnóstico, corre-se o risco de o processo se alastrar e matar o corpo.

É necessário repensar, e redistribuir as culpas de nossa história.

Não digo julgar o mundo e se colocar como vítima, pois essa sim seria uma atitude covarde e sem objetivos. Distribuir culpas é observar o quanto os erros, quer intencionais ou inocentes de nossos pais, amigos, professores, patrões e outras pessoas podem ser as razões daquilo que nos fragiliza. O próprio excesso de zelo e amor muitas vezes nos sufoca, e a partir deles nos tornamos dependentes de alcançá-los externamente, não acreditando em nossa capacidade de produzi-los.

Cada vez mais as pessoas vêm se permitindo ser marcadas por símbolos ou tatuagens indesejadas: chegando a não se permitir o direito de pensar em liberdade, alívio e prazer. Pessoas marcadas por insucessos na infância, no casamento, por comparações com irmãos ou primos, sempre mais bonitos ou inteligentes, por apelidos desnecessários, por vergonhas “jamais superáveis”, ou por “pecados imperdoáveis”, se veem apenas como sobras de uma máquina, quando na verdade são peças essenciais ao mecanismo.

Pessoas que se desmerecem, não percebem o bem que podem fazer, e a falta que significam para outras. Conhecer as tatuagens não é o suficiente para se livrar delas, mas é o primeiro passo na busca do autoconhecimento.

Mais interessante que retirar essas feridas, acredito ser necessário mudar o enfoque sobre os problemas. Reconhecer o significado das marcas e utilizá-las como experiências que não devem ser repetidas, e muito menos ignoradas.

Nunca tenha dúvida do prazer que sentimos, quando, reutilizando móveis antigos, conseguimos gerar novos e estimulantes ambientes para se viver.

GUILHERME DAVOLI
Psicólogo, psicoterapeuta, professor, consultor empresarial e educacional, palestrante e escritor.
www.guilhermedavoli.com.br

GUILHERME DAVOLI

By GUILHERME DAVOLI

- Psicólogo, psicoterapeuta, professor e consultor empresarial e educacional. Autor de vários livros de auto-ajuda. Ministra cursos, palestras e oficinas em empresas, orgãos públicos e instituição de ensino.

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