Durval havia ficado preso dentro da casa do seu vizinho Heitor, que havia desaparecido juntamente com a esposa. Ao tentar sair pela porta dos fundos, foi distraído pela caveira com chifres na biblioteca. Eis então que alguém estava tocando a campainha sem parar. Quem quer que fosse estava obstinado.
Enquanto Durval voltava pelo corredor com a máxima rapidez, o que era bem lento até para ele, já que a perna engessada dificultava cada passo, os pensamentos se precipitavam dentro dele a uma velocidade muito maior. Estavam incongruentes de tão rápidos. Primeiro pensou que a casa só poderia estar pegando fogo para alguém tocar a campainha daquele jeito. Ou quem sabe poderia ser o próprio Heitor tocando a campainha? pois havia saído da casa e… não conseguia entrar de volta, porque… a chave havia ficado do lado de dentro? Mas e Melinda? Ela estava com ele, certo? Melinda teria ficado trancada junto com o marido do lado de fora, porque… ambos saíram pelos fundos? E a cacatua também estava presa do lado de fora, já que havia atacado os dois ao ver a caveira com chifres, e… havia também os charutos… e a caveira.
Sim, Durval sabia que nada do que estava pensando fazia muito sentido. Aliás, desde que ele e sua esposa Dolores encontraram o cadáver na cozinha da própria casa, havia mergulhado numa montanha russa de eventos cada vez mais bizarros.
Jamais imaginaria que depois dos 70 anos de idade seria lançado numa aventura insólita como aquela. E perigosa, afinal havia recebido uma ameaça de morte e sofrido uma tentativa de assassinato quando foi empurrado para o precipício dentro de seu Corcel. Por sorte apenas quebrou a perna. Mas ainda se lembrava perfeitamente da sensação quando despencou ladeira abaixo. Achou que iria morrer. Não que tivesse medo da morte, depois dos 70 se faz amizade com essa ideia e ela deixa de incomodar. Mas não queria deixar Dolores sozinha. Ela era sua razão de viver. Amava aquela mulher.
Durval estava no meio do corredor e já podia ver a enorme janela da sala aberta, mas ainda não conseguia enxergar quem estava no portão da frente tocando a campainha sem parar. Queria correr, mas não podia fazer isso, se caísse seria muito pior. Poderia até quebrar a outra perna, ou a bacia.
E então no meio do trajeto lembrou-se que a porta da sala estava trancada! Simplesmente não poderia sair da casa qualquer que fosse o motivo pelo qual a pessoa tocava irritantemente o diabo da campainha.
Dane-se, pensou. Já estava no meio do caminho e não iria voltar tudo para sair pelos fundos. Só mais alguns passos e alcançaria a janela da sala. A campainha continuava insuportável. Din-don! Din-don!
Apoiou-se na lateral da janela e olhou para fora. Estava tão aflito que demorou para seus olhos fazerem o foco. No portão da rua, do lado de fora, tocando a campainha, estava Dolores.
Ao ver Durval ela gritou: “O assassino está aí dentro com você!”
Episodio LV continuana próxima edição.
JOSÉ GASPAR
Escritor, trader e colecionador de palavras estranhas
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