Durval ouviu um miado, depois outro e mais um. Não queria desgrudar os olhos de Heitor e de sua história sobre a invasão ilícita que fizera no laboratório do exército, mas desviou o olhar. Melinda, a esposa de Heitor, estava indo na direção da varanda carregando três vasilhas com o que deveria ser comida de gato. Ao seu redor, uns oito felinos incrivelmente brancos como papel a acompanhavam com miados e ronronares.
Melinda passou perto da poltrona em que Durval estava sentado. Deu para sentir o cheiro de seu perfume com fragrância de banho recém tomado. Seus longos cabelos negros que desciam até o meio das costas, estavam ainda meio molhados. O vestido curto e florido deixava à mostra suas pernas bronzeadas.
Durval pigarreou e olhou para Heitor que acendia um charuto.
— Quer um? — Ele perguntou.
— Não fumo. Obrigado.
Heitor puxou a fumaça com tragadas curtas e rápidas para que o charuto acendesse. Olhou para a ponta em brasa viva e então sorveu lentamente uma quantidade considerável de fumaça soltando-a em seguida enquanto fechou os olhos saboreando o momento. Um leve sorriso formou-se em sua boca.
Sem abrir os olhos ele disse:
— Você tem algum hobby, Durval?
— Eu toco flauta.
— É mesmo? Que tipo de flauta? — Flauta doce. Contralto.
— Flauta doce não é aquela pequenininha de criança?
— Não. É outra.
— Bom, onde estávamos mesmo?
— Você estava contando que havia ficado preso no laboratório junto com algum tipo de fera enjaulada.
— Sim! Eu estava em cima. Deitado sobre a estrutura de metal que ficava acima das mesas de cirurgia. Quando os soldados e o seu amigo Botelho saíram do laboratório levando o Segundo Tenente De Matos que havia levado uma surra daqueles covardes, me vi sozinho tranca-do no laboratório.
“Eu não sabia que horas eram, mas devia já ser tarde da noite. Como eu estava no subterrâneo, as únicas janelas davam para uma plataforma de observação na parte de cima do laboratório. Por sorte uma fraca luz vinha de lá, senão seria o breu completo. Mesmo assim era difícil enxergar.
“Esperei alguns minutos e então comecei a descer da estrutura de metal. Tomei todo o cuidado para fazer o mínimo de barulho possível. Usei a mesa de cirurgia como apoio e consegui descer. Fui até a porta e verifiquei que estava mesmo trancada. A fechadura era daquelas com segredo e seria difícil, senão impossível, abrir sem arrombar. Por outro lado, naquela época não havia câmeras de segurança. Se fosse hoje em dia, um pelotão de soldados estaria ali em menos de 2 minutos assim que desci de meu esconderijo. De qualquer forma isso fez pouca diferença no meu destino.
“Então me lembrei da fera que estava presa na parte de trás do laboratório. Não dava para ver a jaula de onde eu estava, primeiro devido a escuridão, segundo porque ela ficava atrás da estrutura de metal na qual eu havia me escondido.
“Agucei os ouvidos, mas o silêncio era total. Comecei a caminhar na direção da jaula”.
Episódio XXXVIII continua na próxima edição.
JOSÉ GASPAR
Cineasta e escritor
www.historiasdooutromundo.com