DEUS É GAÚCHO
“Nos pampas do Rio Grande, na terra onde eu nasci
Sopra o vento minuano arteiro igual guri…
Faz reboliço onde passa e de fato nem disfarça
Que gosta mesmo é daqui…
Há quem olhe e se encante com o bailado das folhas
Que meio a contento são cabresteadas pelo vento…
Oh! Minuano aguerrido quando me pego distraído
Viajo na tua garupa a onde a vista alcançar…
Sei que é aqui na minha querência amada
Que um dia vou repousar…
Na fronteira, missões ou serra… no pampa ou na capital
Não há sequer um vivente que não gabe contente
O orgulho da nossa gente da campanha ao litoral,
Gaúcho não é orelhano, sabem bem onde nasceu
Por mais que campeie o mundo a fora,
Há apenas um lugar que o gaúcho chama de seu,
Onde o vento de rédia solta a reveria do tempo
Pastoreia os campos, afeita as arvores…
Feito cantiga sibilada no compasso do criador
Há quem olhe e pense…
Deus é gaúcho, sim senhor!”
Poetisa e Escritora gaúcha, Inoema Nunes Jahnke é de Pelotas, cidade que fica no sul do estado do Rio Grande do Sul. Autora de poesias consagradas com “Orgulho Gaúcho” e “Compaixão pela Vida”, teve seu primeiro livro publicado em 2008, hoje com um acervo de mais de 500 poesias. Com uma visão poética de impacto social, destaca-se no aspecto contemporâneo e regionalista.
A história da ocupação e do povoamento do Continente de São Pedro do Rio Grande do Sul está demarcada pela questão fronteiriça. Região limite entre dois impérios: o espanhol, com sede em Buenos Aires no Rio da Prata, e o português, tendo o Rio de Janeiro como cidade-trampolim. Pelo Tratado de Tordesilhas de 1493, a linha que separava os dois reinos católicos passava, na sua extensão meridional, ao largo do litoral do atual estado de Santa Catarina.
Teoricamente a região que viria fazer parte do Rio Grande do Sul pertencia pois aos espanhóis. Portugal, por sua vez, sempre procurou estabelecer como sua real fronteira e o limite extremo do seu Império na América do Sul, não uma linha abstrata, mas sim a margem esquerda do Rio da Prata. Todos os conflitos entre o Brasil e seus vizinhos do Prata foram decorrentes dessas duas visões antagônicos sobre quais eram os marcos verdadeiros que os separavam.
Uma Fronteira Quente
O Rio Grande do Sul foi desde o seu início – ao contrário dos demais estados brasileiros – uma “fronteira quente”, isto é, local de disputa militar, de guerras e de arranjos diplomáticos, área conflituosa que se estendeu dos finais do século XVII até o século XIX, quer dizer, por quase dois séculos. Situação que começa somente recentemente a se inverter graças ao Mercosul, que tem por objetivo a integração econômica e não mais a rivalidade política.
Missões
Acredita-se que os padres da Companhia de Jesus tenham atravessado o rio Uruguai por volta de 1626, sendo que o pe. Roque Gonzales foi martirizado em 1628. Na sua ocupação, adotaram a alternância da cultura do erva-mate com a pecuária para harmonizar-se com os hábitos sedentários e nômades dos guaranis. Em 1637, o bandeirante Raposo Tavares destruiu as reduções
situadas entre os rios Taquari e Caí, fazendo os jesuítas refluírem para as margens do Uruguai. A partir de então, o gado, sem interesse para os bandeirantes predadores e apreadores de índios, esparramou-se, tornando-se
gado “chimarrão”, selvagem, formando as Vacarias do Mar e as Vacarias dos Pinhais. O verdadeiro apogeu das Missões ocorre entre 1720-56, quando se estruturam os 7 Povos das Missões (S. Nicolau, S. Ângelo, S.Luiz, S. Lourenço, S.João Velho, S.Miguel, S. Borja), até sua destruição durante as Guerras Guaraníticas, iniciadas pela expedição luso-espanhola de 1756, tendo no cacique Sepé Tiaraju o seu principal defensor. A “época de ouro” das missões foi possível porque os bandeirantes tornaram-se garimpeiros nas Minas Gerais, e depois, tropeiros e criadores de ga- do bovino e muar, deixando de importuná-las com suas expedições de caça ao índio. As Missões passam ao controle português pelo Tratado de Madri, 1750, mas efetivamente a região missioneira só é ocupada em 1801.
Autoridades Portuguesas
Com a fundação da cidade de Colônia do Sacramento nas margens do Rio da Prata, em frente a Buenos Aires, em 1680, tem início uma rivalidade de século e meio entre o Império português e o espanhol pela posse da embocadura e pelas margens do Rio da Prata. Conflito, permeado por guerras e tratados, que se prolongará, inclusive após a independência da Argentina e do Brasil, até 1828, com o reconhecimento da autonomia da República do Uruguai. Para melhor apoiar a sua base de colônia, nas margens
orientais do Rio da Prata os lusos, comandados pelo brigadeiro Silva Paes, fundaram Rio Grande, em 1737. E para afirmar sua presença definitiva, distribuíram estâncias entre os oficiais portugueses que davam baixa, ao largo da linha que partia de Rio Grande até as barrancas do Rio Uruguai.
Açorianos
Dando seguimento à ocupação por meio de colonização, os lusos trouxeram em seguida das ilhas dos Açores os “casais de número”, que receberam terras na região da Lagoa dos Patos, rios Guaíba e Jacuí, povoando Porto Alegre, Triunfo e Cachoeira. Inicialmente os açorianos dedicaram-se à agricultura (triticultura), mas abadonaram-na em 1820 para voltarem-se à pecuária, aproveitando-se do crescimento da indústria do charque, implantada por volta de 1780 ao redor de Pelotas e depois Santo Amaro e Triunfo. A data de 1756 assinala a fundação de Porto Alegre como vila. Com a invasão castelhana de 1763, a capital deixa de ser Rio Grande, que ficou 13
anos nas mãos deles, mudando-se para Viamão e depois, definitivamente, para Porto Alegre. Com a expansão das chaqueadas ocorre a importação de mão-de-obra escrava, fortemente concentrada na área de Pelotas, espalhando-se depois pelo interior.
Alemães
Chegam a partir de 1824 e são instalados na antiga Feitoria do Linho Cânhamo, nas beiras do Rrio dos Sinos. Alguns foram trazidos como mercenários para lutar na Guerra Cisplatina, mas a maioria era composta de lavradores que receberam pequenos lotes de terras em “linhas” e “picadas” ao longo do Vale dos Sinos e na encosta da Serra. Praticavam a chamada “economia colonial”, o artesanato e a pequena indústria, tendo em Porto Alegre seu principal mercado. Era-lhes vedado ter escravos.
Italianos
Para os italianos, que chegam em 1875, são reservadas as terras menos acessíveis dos altos da Serra, tendo como núcleo de povoamento os “fundos de Nova Palmira”. Assentam-se em Conde d’Eu e D. Isabel. Dedicam-se à extração de madeira, a vitivinicultura e ao artesanato. Seu impressionante crescimento demográfico nesse século faz com que se desloquem para as regiões centrais e orientais do estado.
Atividades econômicas
As missões jesuítas e logo em seguida a formação das estâncias de lagunenses e vicentinos (paulistas que se deslocavam do Norte), foram responsáveis pela introdução da pecuária no RGS. A estância correspondeu ao abandono das atividades predadoras feitas por gente selvagem do campo que abatia indiscriminadamente os animais apenas para extrair-lhes o couro e vendê-lo aos contrabandistas. A agricultura nesses primeiros tempos confinava-se ao plantio da erva-mate.
Com a descoberta das lavras de ouro e de diamante em Minas Gerais e o
elevado preço que os alimentos passaram a alcançar nas regiões de garimpo tornou-se a pecuária uma atividade altamente rentável. Com as minas formou-se o primeiro grande mercado interno brasileiro ao qual o RGS irá se atrelar, sendo essa uma das razões econômicas da tensão entre o
separatismo e o nacionalismo, vigentes até hoje no nosso estado. Nos finais do século XVIII, com implantação das charqueadas, um mercado bem mais vasto abriu-se. Não se exportava mais apenas gado em pé (bovino e muar) como antes. Era possível, doravante, ambicionar atingir, além do Centro e do Nordeste do Brasil, até os mercados do Caribe e dos estados sulistas dos EUA, porque o charque era a alimentação básica dos escravos. A comida dos escravos, por sua vez, era paga com… escravos. A chegada de levas de africanos ao RGS foi resultado da expansão da indústria das carnes manufaturadas e salgadas, que se espalharam por Pelotas e beiras da Lagoa dos Patos e o Jacuí.
Com a vinda dos açoritas, a partir de 1752, a agricultura tomou um novo impulso com as plantações de trigo ao redor de Rio Grande, expandindo-se para outras áreas de colonização açoriana, até ser destruída pela praga da ferrugem por volta de 1820 e pela ausência de apoio governamental. Os açorianos tornaram-se então basicamente pecuaritas e chaqueadores. Uma agricultura e uma criação mais diversificada (suínos e aves) só chegará com a fomação das colônias alemãs e italianas, entre 1824 e 1875, bem como são elas que trazem técnicas industriais que permitem lançar os fundamentos da pequena indústria do curtume, da metalurgia e da vitivinicultura. A pecuária toma novo impulso com a criação dos frigoríficos estrangeiros, da Armour e da Swift, em 1917, tornando possível exportar carnes enlatadas e refrigeradas para o Centro do País. O sucesso da chamada “economia colonial” deve-se à farta ditribuição de terras feitas entre os colonos, formando não apenas um dinâmico centro produtivo policultural como também tornou-se um crescente mercado consumidor.
Rio Grande do Sul (XVII-XIX)
A ocupação do território do Rio Grande do Sul, remonta aproximadamente 12.000 anos, quando animais gigantes sobreviviam da alimentação do
ambiente desértico e extremamente frio. Os primeiros homens a pisar neste solo, vieram da Ásia em peregrinações que passavam pelo norte e o centro
do imenso continente americano.
Pequenos grupos, que sobreviviam da caça, da pesca e da coleta imprimiram sua marca nos abrigos rochosos da borda do Planalto e na confluência dos arroios do Rio Uruguai – entre eles o rio Ijui – consolidando as primeiras tradições paleoindígenas do Rio Grande do Sul. De 6 a 6 mil anos atrás, um longo período de transformações climáticas foi definindo o surgimento de novos grupos humanos e o desaparecimento de algumas espécies animais. A umidade e a temperatura atingiram seu grau máximo, criando uma paisagem tropical úmida. As geleiras derreteram e os rios passaram a ser caudalosos, os mares se elevaram chegando até as lagoas. A floresta subtropical invadiu os campos e os pinheirais se retraíram às partes mais altas do Planalto. Com a vegetação e alimentação farta, os grupos expandiram-se e passaram a ocupar todo o território que abrange o cone sul.
É no final deste período, que os Tupi-Guaranis saíram da Amazônia Peruana em direção ao Vale do Mamoré, dando início ao ciclo das maiores peregrinações que se tem conhecimento na história do nosso continente. Em 500 AC, impulsionados pela agricultura semi-nômade, pela canoagem, pela índole guerreira e principalmente pela busca do Ivy Mara Ey – a Terra sem Males, uma parte dos Guaranis desceram o rio Madeira e ocuparam a Ama-zônia brasileira, outros seguiram o rumo do Jiparaná, povoando a Bacia do Prata, para, em seqüência povoar o litoral Atlântico, até fechar o círculo e recontatar, no século 17, seus parentes na Amazônia. O tronco lingüístico tupi-guarani, que ia do Caribe ao extremo sul da América, foi, na época, com o idioma árabe, o mais falado da terra.
Na área do atual Rio Grande do Sul, os guaranis ocuparam as terras férteis do rio Uruguai até o litoral, impondo sua cultura e seu modo de ser. Viviam em aldeias, eram horticultores, conheciam a cerâmica e a pedra polida. Desenvolveram a plantação de muitos vegetais nativos – comestíveis e medicinais.
Entre as contribuições que legaram para o povo gaúcho, estão os termos lingüisticos, entre eles os nomes de rios, localidades e da fauna e flora, o folclore com suas lendas, cantos e brincadeiras; o cultivo de inúmeras plantas; alguns hábitos alimentares como o churrasco e o chimarrão; os caminhos que deram origens as atuais estradas, etc.
Foi junto à estas comunidades indígenas, que os jesuítas desenvolveram o projeto da conquista espiritual, a serviço da Coroa espanhola. As Missões Jesuíticas representaram uma das formas de colonização na América. O encontro de duas culturas diferenciadas, a guarani e a européia, deu origem a um novo modo de ser, o missioneiro.
As disputas e interesses políticos entre Portugal e Espanha determinaram as guerras Guaraníticas, a expulsão dos jesuítas da América e a decadência das Missões. Os índios missioneiros aos poucos abandonaram os povoados dispersando-se pelo território platino. A floresta tomou as cidades abandonadas.
O gaúcho
O gaúcho é o tipo característico da campanha. É o nome que se dá ao homem do campo na região dos pampas e, por extensão, aos nascidos no Rio Grande do Sul. O termo gaúcho generalizou-se a partir de 1800. Até então, os nascidos neste Estado eram chamados continentinos ou riograndenses.
O gaúcho surgiu da miscigenação entre o índio, o espanhol e o português, que viviam livres cuidando do gado no pampa gaúcho. Por isso tornou-se hábil cavaleiro, manejador do laço e da bolea-deira. O gaúcho era livre, sem patrão e sem lei. Antigamente, os gaúchos não eram bem vistos. Defeitos lhes eram apontados, tais como: ladrões, homens irresponsáveis, malandros, perturbadores da paz.
Com o estabelecimento das fazendas de gado e com a modificação da estrutura de trabalho, o gaúcho perdeu seus hábitos nômades. Integrado à sociedade rural como trabalhador especializado, passou a ser o peão das estâncias.
Depois da Revolução Farroupilha, o gaúcho passou a ser considerado homem
digno, bravo, destemido e patriota.
O gaúcho é definido pela literatura como machista, altivo, irreverente, guerreiro, legítimo. Entre nós, gaúcho é aquele que vive do trabalho pastoril.
O gaúcho de hoje é fruto da contribuição do índio, do negro, do português, do espanhol, do alemão, do italiano e tantos outros povos, que para cá vieram construir o Rio Grande. Por isso, aos poucos o termo gaúcho passou a identificar os filhos do Rio Grande do Sul. O povo gaúcho valoriza muito suas tradições, exalta a coragem e a bravura de seus antepassados, canta seu apego à terra, seu amor à liberdade, motivando assim o surgimento de uma literatura gauchesca.
O prato tradicional é o churrasco e o arroz-de-carreteiro, o chimarrão é a bebida preferida, chegando a ser o símbolo da hospitalidade e da amizade.