Então você confirma que a faca é sua? — perguntou o delegado.
Em cima da mesa, dentro de um saco plástico transparente, repousava a faca com cabo de madeira entalhada.
— Sim, já disse! Era minha faca de pesca… — Durval estendeu a mão na direção da faca. Mas Moreira, o delegado, afastou-a.
— Não sei como ela foi parar com o Botelho — continuou Durval. — Faz tempo que não vou pescar. Ainda mais agora, todo quebrado — apontou para o gesso na perna.
Durval olhou bem fundo nos olhos de Moreira:
— Parece que você não vai acreditar em mim, não é?
— É você que está dizendo isso.
— Será possível que você acha eu sou o assassino? Justamente eu, a única pessoa que desde o início disse que havia um cadáver nessa história? Nem nisso você acreditou.
Durval sentiu o sangue ferver dentro do rosto. Apertou os punhos com força e ficou na ponta da cadeira enquanto falava com a voz cada vez mais rouca de raiva.
— Se eu fosse o assassino porque diabos estaria investigando? Por que teriam me empurrado do alto de um precipício dentro do meu próprio carro? O que eu estaria…
Faltou-lhe o ar. Começou a tossir e pigarrear. Queria continuar a falar, esbravejar. Não suportava a ideia de desconfiarem dele. De duvidarem de sua idoneidade, de sua honestidade. Pior ainda, acharem que ele teria sangue frio para matar uma pessoa. Aquilo era absurdo! E onde estava Dolores?
— Onde esta a minha esposa?
— Na outra sala.
— Quero vê-la imediatamente!
Moreira levantou-se da cadeira e saiu pela porta.
Durval tentou recuperar o fôlego. Abaixou a cabeça e respirou fundo, apertou os olhos. Talvez fossem precisar de um advogado.
Em menos de um minuto a porta abriu-se e Dolores entrou.
— Durval! Meu bem? O que eles fizeram com voce?
— Nada, Dodô. Estou bem. E voce?
Dolores olhou para o delegado que estava em pé. Durval viu faíscas sairem dos olhos da mulher.
— Delegado, vou agora com o meu marido para nossa casa! Se tiver mais perguntas terá que nos prender.
Dolores começou a ajudar Durval a levantar-se.
O delegado só ficou olhando enquanto o casal caminhou pelo corredor da delegacia indo até a porta da frente.
Durval ficou parado na porta enquanto Dolores foi até a calçada a procura de um táxi. Durval sentiu orgulho da mulher. Queria abraçá-la agora mesmo, dizer que a amava e que ela havia sido magnífica ao confrontar o delegado daquela forma.
Havia começado a garoar quando Dolores conseguiu fazer um táxi parar. Ela voltou até a porta da delegacia e ajudou Durval a caminhar até a calçada e entrar no táxi.
Durante a trajeto até a casa, os dois ficaram de mãos dadas no banco de trás. Não falaram uma palavra. Durval estava exausto.
E então Durval sentiu um frio na espinha quando se lembrou do dia em que havia usado aquela faca com cabo de madeira pela última vez. Lembrou-se claramente da pescaria que fizera na represa de Santa Tereza. Botelho estava com ele e havia pedido a faca emprestada. O professor nunca mais a devolvera.
Episodio XIX continua na próxima edição.
JOSÉ GASPAR
Cineasta e escritor
www.historiasdooutromundo.com
jagramos@gmail.com