Durval ouvia boquiaberto a história de Heitor, o capitão reformado do exército que havia adentrado ilicitamente em um laboratório do governo onde Botelho fazia experiências genéticas envolvendo homens com chifres.
— O pelotão de soldados que invadiu o laboratório somado ao som estridente do alarme teria feito uma pessoa destreinada entrar em pânico. Mas se você medisse meu pulso naquele momento tenho certeza que estava bem perto do normal. Me mantive imóvel deitado de lado em meu esconderijo na estrutura de metal que ficava acima da mesa de cirurgia central.
“Tentei avistar o Segundo Tenente De Matos, mas de minha posição não consegui. Torci para que ele tivesse conseguido se esconder antes da entrada dos soldados.
“Procurei empurrar o corpo para trás de modo a não ser visto se olhassem para cima, mas o espaço de que eu dispunha era pequeno e senti, mais uma vez, a pressão de algo pontudo na parte de trás da minha cabeça. Lentamente, e procurando não fazer barulho, tateei com uma das mãos. Parecia ser uma espécie de cone retorcido e enrugado. Gelei ao imaginar o que devia ser aquilo. Devagar virei a cabeça para trás e me deparei com um daqueles crânios com dois chifres saindo da testa. Mesmo estando escuro pude ver os dentes afiados da caveira que parecia sorrir para mim de forma diabólica. Ao lado dela havia outras semelhantes, algumas menores, outras maiores, mas todas com chifres e dentes pontudos. Prendi a respiração e fechei a boca. Não movi um músculo enquanto soltei o ar lentamente de modo a recobrar o controle da mente e do corpo. Aos poucos me acalmei.
“Os soldados estavam vasculhando o laboratório e era uma questão de pouco tempo para nos encontrarem. Foi então que ouvimos um rugido. Era como se fosse de um animal grande como um leão ou urso. Havia vindo da parte de trás do laboratório, mas não consegui ver exatamente de onde. Os soldados pararam em suas posições e ouvi alguém gritar para que desligassem o alarme. Então ouvimos uma pancada seca, depois outra e mais outra. Os soldados apontaram suas armas na direção do som que continuava sem interrupção.
“O alarme parou no mesmo instante em que Botelho adentrou o laboratório. Estava de jaleco branco e parecia transtornado. Gritava para os soldados baixarem as armas e dizia que se disparassem um único tiro iriam se ver com o próprio General Mascarenhas.
“Botelho correu até um armário e pegou o que me pareceu ser uma pistola de dardos tranquilizantes. Com uma seringa encheu o dardo com um líquido incolor e engatilho a arma.
“Em silêncio foi até a parte de trás do laboratório de onde vinham as pancadas. Então o perdi de vista. Depois de alguns segundos ouvi o barulho da arma sendo disparada e as pancadas cessaram. Botelho foi até a porta de entrada do laboratório e a fechou, tirou o interfone do gancho e discou um número. Disse para a pessoa vir imediatamente ao laboratório 5S. Olhou para os soldados e disse que os culpados seriam punidos com rigor”.
Episodio XXXVI continua na próxima edição.
JOSÉ GASPAR
Cineasta e escritor
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