Era ímpar mesmo.
Fui um felizardo em ter sido filho dela.
Doce na medida certa, nas palavras, no pensar, no agir, no emitir, no pensar e gestual mas – enérgica como um general, leonina, forte e destemida. Tudo que começava, acabava.
Poucos a conheciam como eu. Nem suas irmãs e irmãos.
Eu, além de filho dela, éramos amigos, confidentes, cúmplices e álibis e testemunhas da vida um do outro.
Fizemos parcerias e pactos.
Muitos segredos compartilhados.
Por sermos muito parecidos – por dentro e por fora; as discussões e debates eram frequentes. Mas sempre alto astral, cabeça legal, uma mulher avant-garde desde sua juventude getulista num Rio bem diferente do de hoje.
Ela adorava a inteligência e ousadia de Carlos Lacerda.
Fez filosofia com especialização em jornalismo (era assim naquela época).
Foi militante da UNE. Trabalhou no “Última Hora” de Samuel Weiner quando namorava Danuza Leão. Esbarrava com facilidade com Nelson Rodrigues, na redação do jornal. Ele acendia um cigarro no outro enquanto escrevia sua coluna “A vida como ela é”.
Ela cobriu, como repórter, a chegada do corpo de Carmem Miranda, no Rio, vinda de Hollywood. O padre iria rezar pela estrela portuguesa, antes do sepultamento, mas exigiu que a carregada maquiagem dos estúdios americanos – fosse suavizada. Assim feito, fecharam o caixão e uma multidão a levou ao cemitério São João Batista.
Hoje, estou aqui, relembrando com aromas agradabilíssimos deixados por ela em cada canto da casa.
E num relâmpago me vem uma história.
Era bailarina clássica e quase foi do corpo de baile oficial do Teatro Municipal na Cinelândia. Amava o clássico. Sabia tudo sobre tudo. Mais recentemente a chamava de meu google ambulante.
Mas a literatura
O francês
As artes como um todo
A história antiga e contemporânea era voraz consumidora
Falava de Tchaikovsky e Rachmaninoff como ninguém e, obviamente do melancólico Chopin.
Foi muito difícil para aquela jovem cheia de sonhos e cultura, trocar a capital do Brasil, no Estado da Guanabara por Uberlândia.
Mas trouxe com ela uma bossa.
Trouxe consigo hábitos rígidos de um internato francês em quase 8 anos no Sacre Couer de Jesus.
A elegância discreta que se deixava notar pela suavidade de não chamar atenção.
Aqui veio morar com meu pai, com familiares vindos de Mato Grosso e meu avô, Hermann Hugueney, era dono do Hotel Rex (hoje Galeria Central).
E a foto dela na ponta, era para tentar fazer as sobrinhas Eliane Hugueney Santos Santos e Heloisa Santos Issa a entrarem na vibração do ballet clássico.
A foto, achei outra dia – aqui em seus guardados – o momento é no terraço do Hotel Rex, Santos Dumont com Afonso Pena ; onde morou sob a batuta de sua sogra, minha avó, Rita Ferreira Carvalho Hugueney.
E hoje resolvi fazer brilhar este caco de vidro de nosso caleidoscópio inimitável.
Mãe:- até qualquer hora.
Saudade inenarrável.
Beijão do seu Carlos – o Bisneto.
(o “Tacho” ou “Puchulum” – apelidos que apenas ela – somente ela me chamava.
CARLOS HUGUENEY BISNETO
Jornalista, Multimídia
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