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Quem diria ou imaginaria que o tão esperado e desejado novo ano de 2020 nos traria tantas dores, perdas, ansiedades e desilusões? Tudo seguia de acordo com sua normalidade e com algumas discussões e comentários de uma epidemia na Ásia. No entanto, nos parecia uma realidade distante e despreocupante. Nossa rotina, como docentes na Academia da Força Aérea seguia seu ritmo rápido e cheio de atividades e tarefas para cumprir. Estava muito ocupada ministrando quatro cursos (um curso básico, um de nível intermediário da Língua Portuguesa, e dois cursos avançados de Literatura Espanhola) e trabalhando na logística de um programa de imersão da Língua Portuguesa que seria de quatro semanas em Brasília. Lá, acompanharia aos 13 cadetes da Academia da Força Aérea. Além disso, preparando-me para apresentar trabalhos de pesquisa em congressos de Letras nos Estados Unidos e ministrar várias palestras durante o mês de Julho, em Senegal, África. Não imaginaríamos o que estava para suceder.

O primeiro caso confirmado do COVID-19 foi anunciado pelas autoridades federais no dia 21 de Janeiro. Um homem de 30 anos retornando aos EUA em 15 de Janeiro proveniente de Wuhan, na China. Contudo, mais tarde descobriu-se que duas pessoas tinham morrido com COVID-19, também no estado de Washington, em 26 de Fevereiro. Era evidente o sentimento despreocupante no país, em particular o meu estado, Colorado. Na realidade, entre Janeiro e Fevereiro, as autoridades e líderes em Washington não encararam a realidade ou a ameaça da epidemia. No dia 10 de Março, o governador de Colorado, Jared Polis declarou estado de emergência, pois já tínhamos 17 casos de COVID-19. Consequentemente, com um sentimento de urgência, uma reunião foi agendada pelo diretor do nosso Departamento de Letras. Lembro-me como se fosse hoje, as expressões nos rostos dos meus colegas: temor, ansiedade e a incerteza do que estava por vir. Nosso chefe nos informou sobre a gravidade da doença e que a maioria dos cadetes iria para suas casas

Foto: Maridav/shutterstock

e que nós, docentes, teríamos que levar conosco nosso computador e os materiais necessários para ensinar a distância. Estávamos em estado de choque! Nunca havia visto algo igual. Eu não sabia o que pensar; fui a minha sala e recolhi os materiais didáticos, computador, entre outras coisas. Sem dúvida, era o começo de grandes desafios, incertezas e perdas para nossa instituição e todo o país.

Depois de uma pequena pausa retomamos as aulas virtualmente. Tínhamos duas plataformas para ministrar as aulas: Microsoft TEAMS e Blackboard. Não seria sincera se mencionasse aqui somente os sucessos em tal missão. Em primeiro lugar, é difícil aos alunos e professores a mudança súbita da aula presencial para a aula virtual. Somos muito privilegiados na Academia por ter uma média de 14 estudantes em cada curso o que nos facilita a interação durante a aula. Outro desafio foi ter que aprender rapidamente e pôr em prática as funções das plataformas para concluir o semestre. Por outro lado, somos afortunados de ter ao nosso alcance ferramentas e tecnologia para continuar ministrando os cursos e alcançar os objetivos de forma online.

Tivemos uma segunda pausa durante o semestre para assim permitir que os cadetes do último ano pudessem graduar-se. Infelizmente, foi um semestre tumultuado, pois perdermos dois cadetes por suicídio. Tal acontecimento abalou toda a instituição e nos deu um sentimento imenso de perda, tristeza e solidão.

Estava feliz em voltar a ministrar as aulas todas as manhãs das 09h30min às 11h30min. E claro, que sempre tinha os cadetes que gostavam de “bater papo” comigo antes e depois das aulas no TEAMS. Eu sempre gostava de entrar no TEAMS uns 15 minutos antes de começar as aulas e tocava a canção “Hoje não saio não” de Marisa Monte. Às vezes ficava preparando um cafezinho e escutava alguns dos cadetes cantando com Marisa Monte, à qual se tornou a nossa canção oficial da quarentena nos nossos cursos. Apesar de não estarmos prencialmente juntos, não deixava de existir uma proximidade mútua e recíproca entre nós. Divertimo-nos muito!

Os cadetes graduaram-se e fomos capazes de terminar o semestre com êxito. Foi difícil ver em suas faces um ar de tristeza e contrariedade pelo cancelamento do programa de imersão em Brasília, o intercâmbio entre a Academia da Força Aérea Brasileira e Academia da Força Aérea Americana, celebrações, atividades, entre muitos outros programas agendados para os meses de Maio e Junho. Pude compartilhar com tais sentimentos, pois depois de ter uma agenda cheia, passei a uma totalmente vazia. Viagens, congressos, festas e outros eventos foram cancelados.

Acabamos de sair da quarentena por mais de três meses. Agora, estamos na segunda fase e com algumas restrições. Alguns se perguntam, quando tudo voltará ao seu normal? Será que ainda teremos o nosso conhecido “normal”? Não creio, pois já não somos os mesmos. A quarentena nos ofereceu a oportunidade de refletir sobre a fragilidade do ser humano, a irrelevância de classes sociais e possuir riquezas. COVID-19, não faz exceção de pessoas. Além do que, passamos a ver o que realmente é importante na nossa vida. O que antes era o cotidiano e normal passou a ser um privilégio, como celebrar os aniversários, casamentos, graduação com os nossos queridos familiares e nossos amigos. Em resumo, realmente acredito que alguns indivíduos sairão da epidemia do coronavírus mais humanos e menos egoístas, mais conscientes do que é importante nessa vida. Também, muitos verão que o dia de amanhã pertence a Deus e que somos tão frágeis como a flor do campo.

DRA. ISMÊNIA SALES DE SOUZA
Pesquisadora, Professora & Escritora
desou001@yahoo.com

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