Durval estava no meio do corredor quando percebeu, pelo vão da porta da biblioteca, uma sombra mover-se lá dentro. Realmente tinha alguém com ele dentro da casa.
Se o que Dolores havia dito era verdade, ele estava correndo perigo naquele momento. Primeiro, o assassino havia ameaçado Durval por carta. Depois tentado matá-lo empurrando-o para o precipício dentro de seu Corcel. O que lhe rendeu dias no hospital e a perna quebrada. Agora, ali sozinho na casa, seria fácil para o canalha tirar sua vida afinal. Mas Durval não se entregaria assim fácil. Levantou a bengala segurando-a com as duas mãos e caminhou mancando na direção da porta da biblioteca. Talvez ele morresse em instantes, mas antes iria desferir pelo menos um golpe certeiro e bem dado na cabeça do assassino. Uma pena que a bengala tinha a ponta encapada com borracha para não escorregar ao tocar o chão. Desejou ter comprado a outra de metal no lugar dessa que era leve de madeira.
Achou melhor abrir a porta com uma das mãos e manter a bengala em riste na outra para o caso de o assassino arremeter contra ele. Lentamente Durval foi abrindo a porta da biblioteca. A luz amarela da luminária inglesa de cima da escrivaninha projetava uma sombra enviesada nas paredes repletas de livros. Empurrou a porta um pouco mais. E então a sombra se moveu e alguma coisa investiu em sua direção com rapidez. Tudo aconteceu em uma fração de segundo, parecia que a coisa havia saltado no ar. Seu coração estava batendo tão forte e acelerado que ele achou que ia ter outro enfarte. Durval soltou um urro e deu um golpe vazio no ar com a bengala.
Em cima da escrivaninha, olhando para ele com grandes olhos azuis, estava a gata branca. Durval ainda olhou ao redor para ver se toda a ameaça realmente se resumia a um bichano albino que pulara do chão para a mesa.
A gata lambeu uma das patas, era tão branca que quase reluzia na penumbra da biblioteca. Durval soltou um riso seco e nervoso, quase uma tosse. A gata respondeu com um miado.
Não poderia ser possível que Dolores falava da gata quando disse que o assassino estava dentro da casa com Durval. Dolores não era demente nem tinha o humor mórbido a ponto de brincar com uma coisa dessas. Ademais ela bem sabia que Durval detestava piadas assim. Se ele bem conhecia Dolores, e ele já a conhecia há mais de 50 anos, havia de fato alguém na casa com ele. Esqueceu a gata e voltou-se para o corredor. Bengala em riste.
Foi até a porta dos fundos e girou a maçaneta. O que mais queria naquele momento era voltar para sua casa com Dolores. A porta não abriu. Procurando não fazer barulho, Durval forçou a maçaneta mais uma vez. Trancada. Alguém de fato estava ali com ele e havia trancado a porta que minutos antes estava sem dúvida alguma aberta.
A única coisa que restava a Durval era enfrentar o assassino.
Episodio LVII continuana próxima edição.
JOSÉ GASPAR
Escritor, trader e colecionador de palavras estranhas
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