Em outubro, o conselho municipal de Porto Alegre (RS), composto por 36 membros, votou por unanimidade pela aprovação de um projeto de lei que poupa os residentes da cidade dos custos de substituição de medidores de água que forem roubados.
Depois de ter sido examinada por várias comissões, a lei entrou em vigor em 23 de novembro. O patrocinador da lei, o vereador Ramiro Rosário, fez um anúncio seis dias depois: a legislação não foi um produto de sessões de brainstorming e discussões políticas, mas sim escrita inteiramente pelo ChatGPT, a poderosa ferramenta de criação de textos desenvolvido pela OpenAI.
Rosário disse que o ChatGPT processou um comando de 250 caracteres e levou cerca de 15 segundos para empregar sua “magia algorítmica” e criar uma lei – um processo que normalmente levaria cerca de três dias. O resultado, disse ele, mostrou como a inteligência artificial (IA) pode ser uma ferramenta útil para otimizar e melhorar o serviço público. No entanto, a primeira lei elaborada pelo ChatGPT no Brasil lançou o país num debate que ressoa por todo o mundo: à medida que a inteligência artificial avança, a sociedade está preparada para um futuro em que a automação poderá substituir os humanos?
“Volto na frase que já virou uma espécie de clichê nesse assunto: Ninguém será substituído pela inteligência artificial, mas todos poderão ser substituídos por quem sabe usar a inteligência artificial”, disse Rosário ao The Washington Post. “Portanto, temos que nos preparar para esse caminho.”
Autodeclarado entusiasta da tecnologia, Rosário queria trazer “o debate em torno do início de uma grande revolução tecnológica” para as esferas política e pública, disse ele. Durante meses, Rosário foi inundado por queixas dos seus eleitores sobre terem sido cobrados pela instalação de medidores novos quando os seus medidores de água foram roubados, e ele queria fazer algo a respeito.
Em junho, Rosário sentou-se em frente ao computador, abriu o ChatGPT e digitou um comando: “Criar uma lei municipal para a cidade de Porto Alegre, de origem do Legislativo e não do Executivo, que proíba a Secretaria Municipal de Água e Esgoto de cobrar do proprietário do imóvel o pagamento do hidrômetro novo quando este for furtado.”
O ChatGPT elaborou uma proposta com uma justificativa e oito subseções. Rosário ficou “surpreso”, disse ele. A parte mais “extraordinária”? Rosário disse que o ChatGPT teve duas ideias que nunca lhe passaram pela cabeça: estabelecer um prazo de 30 dias para a prefeitura substituir hidrômetros roubados e, nos casos em que esse prazo não fosse cumprido, isentar os proprietários do pagamento nas suas contas de água.
“Se eu tivesse seguido o processo normal, levaria dias para conversar com minha equipe e fontes jurídicas”, disse ele. “Mas numa fração desse tempo, a AI procurou na sua base de dados as melhores referências sobre boas práticas na elaboração de projetos de lei dentro e fora do país. Este foi um processo sem precedentes de um projeto de lei elaborado por IA que trouxe sugestões que estavam alinhadas com os princípios e valores do meu mandato – eu sabia que tinha que assiná-lo.”
Rosário entregou o texto no dia 7 de junho.
A redação legislativa do conselho revisou a proposta inicial de Rosário e adaptou sua redação ao estilo típico da legislação. Mas fez alterações mínimas e não se opôs a nenhuma parte do conteúdo.
Quando Rosário revelou o segredo, seus colegas ficaram pasmos. Alguns ficaram fascinados. Outros lamentaram a falta de transparência. O Presidente do Conselho, Hamilton Sossmeier, disse inicialmente à mídia local que, embora o uso de IA não fosse explicitamente proibido, ele achava que poderia estabelecer um “precedente perigoso”.
Sossmeier depois mudou de ideia: “Comecei a ler mais a fundo e vi que, infelizmente ou felizmente, isso vai ser uma tendência”, disse ele a Associated Press.
Embora as pessoas estejam usando o ChatGPT de várias maneiras – escrevendo redações universitárias, elaborando músicas no estilo Eminem, redigindo versículos bíblicos etc, os especialistas alertam contra a dependência do ChatGPT porque ele tem uma propensão para produzindo erros pequenos, na melhor das hipóteses, e propagar desinformação, na pior.
Será essa a nova realidade das casas legisladores ao redor do mundo?
Fonte: Washington Post