Alguns conservadores adoram enquadrar o declínio da taxa de fertilidade nos Estados Unidos como um exemplo de erosão dos valores familiares.
JD Vance, o candidato republicano à vice-presidência, recentemente foi criticado por dizer em 2021 que a nação era governada por “senhoras-gatas sem filhos” que “odeiam os americanos normais por escolherem a família em vez desses ridículos jogos de status de D.C. e Nova York”.
Ano passado, Ashley St. Clair, um comentarista da Fox News, descreveu os americanos sem filhos desta forma: “Eles só querem buscar prazer, beber a noite toda e ir aos shows da Beyoncé. É essa busca por auto prazer em vez de realização e ter uma família.”
Mas pesquisadores que estudam tendências em saúde reprodutiva descrevem um outro cenário. A decisão de abrir mão de ter filhos provavelmente não é um sinal de que os americanos estão se tornando mais hedonistas, eles dizem. Por um lado, as taxas de fertilidade estão diminuindo em todo o mundo desenvolvido, não somente aqui.
Segundo eles, as razões para o declínio incluem alguns fatores sociais— como o aumento dos custos com cuidados infantis, moradia cada vez mais cara e otimismo decrescente sobre o futuro —que fazem parecer cada vez mais insustentável criar filhos nos Estados Unidos.
As taxas de fertilidade têm caído em geral nos Estados Unidos desde o fim do baby boom em meados da década de 1960. Esse declínio acelerou depois de 2008, uma tendência que tem sido amplamente atribuída à Grande Recessão, disse Kenneth Johnson, demógrafo da Universidade de New Hampshire, ao The New York Times.
No ano passado, a taxa total de fertilidade caiu para 1.616,5 nascimentos por 1.000 mulheres, uma baixa histórica que é muito menor do que a taxa necessária para manter o tamanho da população, 2.100 nascimentos por 1.000 mulheres.
Uma pesquisa recente do Pew Research Center descobriu que um número crescente de adultos disse que provavelmente nunca teriam filhos. Mesmo antes da pandemia de Covid-19, quase metade dos condados dos EUA relataram mais mortes do que nascimentos.
Além disso, a idade média em que os americanos estão se casando e começando a ter filhos aumentou, e provavelmente isso vem contribuindo para o declínio da fertilidade. Em 2023, a idade média das mulheres que estavam se casando pela primeira vez era 28 — cerca de seis anos mais velha do que na década de 1980.
A idade média em que as mulheres dão à luz seu primeiro filho também aumentou substancialmente, de 20 anos durante o baby boom para 27 em 2022.
A imigração para os Estados Unidos ajuda a compensar a perda populacional. No entanto, os especialistas temem que o encolhimento de gerações possa fazer com que as escolas fechem, o desenvolvimento econômico pare e programas sociais como a Previdência Social fiquem com um déficit ainda maior.
Notavelmente, estudos sobre as razões por trás do declínio da fertilidade não revelam uma mudança drástica no desejo de ter filhos.
Muitos americanos na adolescência e na faixa dos 20 anos ainda relatam que querem ter dois filhos, disse Sarah Hayford, diretora do Institute for Population Research da Ohio State University. O fato de muitos desses adultos não realizarem essa meta provavelmente significa que fatores externos estão tornando mais difícil ser pai ou mãe, disse ela.
Dados de pesquisa sugerem que muitos jovens adultos querem atingir certos marcos econômicos antes de ter filhos — eles quererem comprar uma casa, pagar dívidas estudantis ou pagar confortavelmente por cuidados infantis, disse Karen Benjamin Guzzo, demógrafa familiar da University of North Carolina em Chapel Hill, ao NYT.
Alcançar esses marcos se tornou cada vez mais difícil, ela disse, à medida que as taxas de hipoteca aumentaram acentuadamente e os custos com cuidados infantis dispararam.
À medida que menos mulheres optam por ficar em casa para criar os filhos, a ausência de políticas que apoiem as famílias trabalhadoras — como licença-maternidade remunerada e cuidados infantis estáveis — também pode estar levando os casais a acreditarem que não estão preparados para serem pais, acrescentou Dr. Guzzo.
Consequentemente, muitos pais até querem ter filhos, mas ficam adiando. O tempo passa e a idade também, deixando o desejo de ter filhos muito tarde para acontecer.
Além disso, a opção por ter ou não filhos também pode ser afetada pelo quão otimistas as pessoas estão sobre o futuro, ela disse.
Um estudo feito por sociólogos na Holanda descobriu que pessoas que disseram que achavam que as perspectivas da geração futura eram “muito piores do que as de hoje” tinham menos probabilidade de se tornarem pais.
E existem muitos motivos pelos quais os jovens podem estar pessimistas: mudanças climáticas, violência armada frequente, a recente pandemia, e principalmente o custo de vida altíssimo.
Em suma, o declínio da taxa de fertilidade tem razões bem mais complexas do que o simplório argumento do candidato republicano a vice-presidência de que as mulheres não querem ter filhos e constituir família para ficarem “gatas” e desimpedidas para buscar status e prazer.
Fonte: The New York Times