Já virou senso comum que havia duas figuras habitando o mesmo corpo. Uma, ser humano como qualquer outro, nasceu Edson Arantes do Nascimento, um menino pobre, do interior de Minas Gerais. A outra, Pelé, um “Deus” do futebol, cujas habilidades não conseguem ser explicadas ou replicadas.
Na quinta-feira (29), o mundo perdeu a primeira figura, Edson Arantes do Nascimento (82), que há mais de um ano enfrentava um câncer no colón. A segunda, Pelé, é lendária, é eterna. Não morrerá nunca. Enquanto futebol existir, ou mesmo se um dia deixar de ser jogado, Pelé será para sempre o “Rei” desse esporte.
Pelé foi descoberto pelo mundo quando estreou na Copa do Mundo de 1958, na Suécia. Estrela do Brasil, o menino magrinho de 17 anos marcou seis gols no torneio, incluindo três na semifinal contra a França e dois na final, na vitória de 5 a 2 sobre a Suécia.
Pelé também jogou nas seleções brasileiras que venceram a Copa do Mundo 1962 e 1970. No torneio de 1966, na Inglaterra, ele foi lesionado nas primeiras partidas e acabou afastado. Com a ausência de Pelé, o Brasil foi eliminado na primeira rodada. Ele ficou tão desanimado que anunciou que se aposentaria da seleção nacional.
Mas, para alegria do Brasil e do mundo, ele reconsiderou e jogou pela Seleção Brasileira na Copa do Mundo do México em 1970. Esse time é amplamente aclamado como o melhor de todos os tempos.
Único jogador a ganhar três Copa do Mundo (me pergunto se não fosse a lesão de 1966, não seriam quatro), Pelé virou um ídolo mundial. Mas não foi só por causa das vitórias nas Copas. Em seus 21 anos de carreira, ele marcou 1.283 gols em 1.367 partidas profissionais, incluindo 77 gols pela seleção brasileira.
Muitos desses gols se tornaram lendários, mas a influência de Pelé nesse esporte foi muito além de marcar gols. Ele ajudou a criar e promover o que mais tarde veio a se chamar “o jogo bonito”, um estilo que valorizava o controle inteligente da bola, o passe inventivo e preciso e um apetite voraz por atacar. Pelé jogou melhor do que ninguém este estilo.
Além da habilidade com a bola, ele tinha um notável centro de gravidade; ele poderia acelerar, desacelerar ou girar em um piscar de olhos. Desequilibrado ou não, ele poderia acertar a bola com precisão com qualquer um dos pés. Relativamente baixo, ele podia, no entanto, pular excepcionalmente alto, muitas vezes parecendo pairar no ar para colocar força em uma cabeçada. Ou seja, coisas de um Deus.
Em uma época que não havia internet, repórteres do mundo inteiro noticiaram os feitos desse menino que jogava de uma forma diferente. O sucesso foi imediato. Mesmo sem YouTube, todo mundo queria vê-lo jogar. Mesmo sem Instagram, o mundo passou a segui-lo.
O Santos, time pelo qual Pelé começou a jogar quando tinha 15 anos e jogou toda a sua carreira professional, também ganhou notoriedade internacional. Na década de 60, período em que a equipe era quase imbatível, o time viajou bastante, fazendo jogos em diversos países e, conquistando assim, mais admiradores pelo mundo.
Pelé levou o futebol até mesmo para onde praticamente não existia futebol. Depois de encerrar sua carreira no Santos e na Seleção Brasileira na década de 70, o Rei foi convidado para atuar no Cosmos, um time recém criado em Nova York que precisava de um “empurrãozinho” de alguma estrela para tentar popularizar o esporte nos Estados Unidos, que nesta época era quase inexistente.
É claro que deu certo. Em todos os jogos fora de casa durante as três temporadas de Pelé na América do Norte, o Cosmos atraiu uma multidão enorme e um contingente de imprensa maior do que qualquer outro time.
O Cosmos mudou-se para o Giants Stadium na última temporada de Pelé, 1977, e lá, em Meadowlands, alcançou o auge da sua popularidade. Em um jogo em 14 de agosto desse ano, uma multidão de 77.691 superou não apenas as expectativas, mas também a capacidade do estádio, que era 76.000 lugares.
Mas, como sabemos, o futebol profissional ainda não estava pronto para florescer nos Estados Unidos. Mas no nível básico e nas escolas e faculdades, o futebol decolou. Em 1991, a seleção feminina dos Estados Unidos conquistou a primeira Copa do Mundo feminina. (Os Estados Unidos venceram três vezes desde então.) Em 2002, a seleção masculina chegou às quartas de final da Copa do Mundo. E a Major League Soccer se estabeleceu como uma forte sucessora da N.A.S.L.
Pelé virou então sinônimo de maestria. Se você é o melhor na física, você é o “Pelé da física”. Ou então, se você tenta fazer algo que não está na sua capacidade: “para porque você não é nenhum Pelé”. Pelé elevou o futebol. É graças a ele que esse esporte é o mais popular do mundo. Pelé elevou o Brasil. É graças a ele, que o futebol brasileiro é conhecido e admirado em qualquer lugar deste planeta.
Em 2014, quando o Museu do Pelé foi inaugurado na cidade de Santos, em um vídeo Pelé dizia: “É uma grande alegria passar por este mundo e poder deixar, para as próximas gerações, algumas memórias, e deixar um legado para o meu país.”
Pelé não deixou. Pelé permanece.