O ser humano contemporâneo, que na aparência conseue usufruir dos mais vastos e sofisticados recursos, percebe-se a si mesmo impotente e limitado na sua capacidade de responder aos desafios emergentes, e por isso coloca-se frequentemente em oposição à vida. Na busca desenfreada por conquistar mais e mais, destr¡oi-se a si mesmo, pois lhe custa reconhecer o valor do seu “habitat”, quer seja o próprio corpo quer seja o corpo da Terra.
Nem os avanços tecnológicos, nem a conquista do ciberespaço, que caracterizam a experiência humana do século XXI, têm conseguido ajudar-nos a superar a crise existencial e socioambiental, sem precedentes, que abala todas as dimensões da experiência humana. Isso deve-se, em parte, ao paradigma da dominação, alicerce do nosso mundo, que fomenta, e até estimula, uma conceção do humano fragmentada e utilitarista, que parece desvalorizar tudo aquilo que não rende lucros. Acabamos por acreditar que é o ser humano quem não vale a pena, quando, em verdade, o que desagrega e cria dor é o modelo de vida que concordamos em seuir. Entre outros campos do saber, a Educação Ambiental tem tecido esforços para mostrar as fragilidades desse paradigma dominante, levando a questionarmo-nos sobre o que é ser humano na concretude deste momento histórico.
Com efeito, os modos de viver na contemporaneidade não contemplam os cuidados de si nem do planeta, e esta falta de cuidado é uma das evidências da originalidade do nosso tempo, que parece apegar-se a um paradigma civilizacional que ignora e condena a vida.
O filósofo Leonardo Boff corrobora esse argumento quando diz que a “crise civilizacional” pela qual estamos a passar dá lugar a um mal-estar generalizado que se prolonga há décadas, no qual “o descuido, a ignorância e o abandono” sintetizam um fenômeno que aparece `escala global e que compromete a sustentabilidade de todas as dimensões da vida, tanto na esfera pública quanto na privada.
O problema agrava-se diante do fato de que, ao negligenciar as nossas necessidades de cuidado, também omitimos as necessidades dos outros, e não raro, tornamo-nos indiferentes aos demais. Esta é uma das ideias defendidas pelo filósofo Zygmunt Bauman, quando afirma que as relações entre as pessoas vão perdendo solidez e que vivemos no tempo das relações líquidas, sem comprometimento e de fácil diluição.
Arrisco-me a afirmar que, neste paradigma contemporâneo, o modo como estamos a tratar as relações, a fragilidade do laço que nos une ao outro contribuem para aumentar a nossa desconexão com a vida e com o vivente, e assim, a cada dia que passa, sentimo-nos mais sozinhos e mais separados do todo.
Quando falo do vivente, refiro-me tanto às subtis manisfestações da vida quanto aos habitantes da Terra, não humanos, tais como os minerais, vegetais e animais, que ficam à mercê da nossa apatia e desconsideração.
No que nos diz respeito, parece que nada enxergaremos enquanto continuamos a tomar atitudes abusivas sme perceber que o planeta, como um todo, corre grandes riscos. Atingimos já ume stado em que as forças humanas atuam a par das influências geológicas, influenciando, inclusive, as mudanças na atmosfera.
Estamos a transitar para uma nova era geológica, dita Antropoceno. nesta era, a Humanidade vem demonstrando que é capaz de produzir alterações planetárias que comprometem a continuidade da vida sobre a Terra. Estamos sem dúvida alguma perante uma crise que abala todas as dimensões da vida. A meu ver, as palavras do professor Alexandre Dittrich conseguem captar a essência do que se passa, quando afirma que “o ser humano contemporâneo sente a dor de uma vida que saiu do fluxo do amor criativo para a obscuridade da morte. Ele vie o seu planeta a morrer e a vida a enfrequecer”.
E isso é extremamente preocupante porque nos toca a todas e a todos, assim como torna cada vez mais difíceis as condições para s epensar num futuro comum e sustentável, sendo que essas são as premissas fundamentais d eum saber ambiental que se constitui como campo de conhecimento, de lutas e de resistência.
Na atualidade, o apelo é bem maior ainda. Já não se trata apenas de adquirir maturidade e aprender a cuidar. Acentua-se, agora, a necessidade de mudarmos d eparadigma perante o risco de perdermos a sustentabilidade mínima. o posicionamento de Boff é categórico: apela à mudança do “paradigma civilizacional”. E isso prevê uma reinvençãp da relaçnao consigo mesmo, com os outros e com a natureza, assim como uma “ética mínima”, um entendimento colaborativo entre as nações que contemple as diversidades culturais e religiosas.
Dentro da mesma esfera, o sociólgo Enrique Leff questiona o paradigma que sustenta a recionalidade instrumental, aquela que divide e fragmenta, que observa o mundo de fora e que, por colocá-lo como o “outro”, separado de si, o deita a perder. Deve ser por isso que essa racionalidade instrumental, que nos acompanha desde o “Cogito ergo sum” do filósofo Descartes, não tem sabido equacionar nem sequer resolver a gravidade dos problemas qque nos acometem.
Entre estes, um dos mais alarmantes é o fato de a Humanidade ter perdido os sentidos os sentidos da existência, sentidos esses que se expressam nas teses que sustentam a teoria Ecológica Cosmocêntrica que apresneto a seguir:
• Uma nova relação Natureza-Humanidade;
• A desaceleração do tempo como garantia da vida;
• A sintonia com novas sabedorias;
• O cuidado como reaprendizagem vs. consumo desenfreado;
• A descolonização do mundo da vida;
• A necessidade de um mundo diverso e sem preconceitos;
• A condição de incompletude;
• A Educação Ambiental na Ecologia Cosmocêntrica como lugar de redefinição do ser humano no cosmos.
Fonte: Clube da Histórias, por Patricia Maria Ingrasiotano