Um homem francês é acusado de drogar a própria esposa e convidar dezenas de homens para estuprá-la ao longo de quase uma década.
Na terça-feira (17) Dominique Pélicot compareceu a um tribunal em Avignon e confessou o crime: “Sou um estuprador como os outros nesta sala.
Ele acrescentou: “Sou culpado pelo que fiz – digo à minha esposa, meus filhos, meus netos… Lamento o que fiz e peço perdão, mesmo que seja imperdoável.” Ele acrescentou: “Ela [Gisèle Pélicot] não merecia isso.”
Dominique Pélicot é acusado de dar medicamentos ansiolíticos a Gisèle por um período de quase uma década, de 2011 a 2020. Enquanto ela estava inconsciente, é alegado que ele a estuprava e recrutava dezenas de outros homens que conheceu online para fazer o mesmo.
Ele admitiu as acusações, mas nesta terça-feira (17) foi a primeira vez que ele falou longamente desde que o julgamento começou em 2 de setembro. O tribunal também pode ouvir mais de Gisèle Pélicot, que estava presente no tribunal ao lado do irmão de Dominique, Joel.
De acordo com a BBC, 15 dos 50 réus no julgamento admitiram estupro, enquanto a maioria apenas alegou ter participado de atos sexuais.
Gisèle disse ao tribunal: “Para mim, é difícil ouvir porque em 50 anos, nunca imaginei por um segundo que ele pudesse estuprar. É difícil para mim ouvir isso hoje… os atos de violência e barbárie. Não pensei por um segundo que ele pudesse fazer isso. Eu tinha total confiança naquele homem.”
Pélicot descreveu uma infância na qual sofreu traumas, dizendo que foi estuprado aos nove anos por uma enfermeira quando estava no hospital por causa de um ferimento na cabeça. Ele contou que teve um pai violento e uma mãe que foi submetida a sexo violento.
Aos 14 anos, como aprendiz em um canteiro de obras, ele foi forçado a testemunhar e participar de um estupro coletivo de uma mulher, disse ele. “Foi muito pesado para suportar”, disse ele ao tribunal.
Ele acrescentou: “Você não nasce pervertido, você se torna um.”
Seu depoimento será decisivo para os outros 50 homens com idades entre 26 e 74 anos que estão em julgamento, quatro dos quais devem ser ouvidos nos próximos dias. Alguns dos acusados admitiram que sabiam que o marido estava drogando a então esposa, enquanto outros alegam que acreditavam estar participando da fantasia de um casal swinger.
Giséle se torna símbolo na luta contra o estupro e assédio
O caso provocou indignação por toda a França, com milhares de pessoas se manifestando no fim de semana para exigir o fim do estupro e em apoio a Gisèle Pélicot. Ela havia solicitado que o julgamento fosse aberto ao público para conscientizar sobre o uso de drogas para cometer abuso sexual. “Graças a vocês, tenho força para levar essa luta até o fim”, ela disse aos manifestantes na segunda-feira (16).
Associações feministas por toda a França elogiaram a coragem de Gisèle e algumas a acompanham diariamente até os portões do tribunal. Elsa Labouret, porta-voz da associação Osez le Feminisme, acredita que o caso marca um antes e um depois na luta feminista. “Sua atitude é extremamente digna. Ela rejeita a vergonha, porque são aqueles que a estupraram que devem suportar esse fardo. A vergonha é um dos grandes obstáculos para denunciar e combater essas agressões. Somos levadas a acreditar que as merecemos, mesmo que não tenhamos feito nada. Dizem-nos que ser vítima de violência tem um impacto na nossa virtude, no nosso corpo, nos torna sujas. No final, essa vergonha desempenha um grande papel na impunidade dos agressores”, disse Labouret ao jornal El País.
Entenda o caso
Gisèle Pélicot estava aposentada e vivia uma vida tranquila ao lado do marido, filhos e netos. Então, uma manhã, ela recebeu um telefonema da polícia. “Você precisa vir e ver algumas filmagens”, disse um policial a ela. Vídeos foram encontrados em milhares de arquivos no computador do marido. Eles a mostravam deitada na cama em estado de coma enquanto era abusada sexualmente por dezenas de homens que o marido havia contatado online.
O caso veio à tona em 2020. A filha do casal, Caroline Darian, estava determinada a não deixar o caso passar despercebido. Ela escreveu um livro e deu entrevistas sobre submissão química, um crime do qual pouco se sabia na França. Alimentando suspeitas de que havia sido estuprada pelo pai, Darian criou a associação Don’t Put Me To Sleep. Ela também convenceu sua mãe a transformar o julgamento que começou na semana passada em Avignon em um símbolo da luta contra esse tipo de crime, que muitas vezes permanece em segredo quando ocorre em um ambiente doméstico.
Fonte: The Guardian e El País