A literatura brasileira nos Estados Unidos perdeu na quinta-feira, 7 de março, o seu maior incentivador e fomentador, o Sr. Domício Coutinho. Radicado em Nova York há muitos anos, ele era muito querido na comunidade local e admirado pela sua incansável tentativa de promover a cultura brasileira no exterior.
Conheci o Domício em 2005 quando soube da existência de uma união de brasileiros escritores em Nova York. Em busca de uma entrevista para escrever um artigo sobre o tema, deparei-me com um senhor muito educado, que falava baixo, vagarosamente e com um sotaque reconhecidamente nordestino. Conversamos por horas, não só sobre a União Dos Escritores Brasileiros em Nova York (UBENY), que ele havia fundado em 1999, mas também sobre a sua inspiradora história como imigrante e, sobretudo, a sua paixão pelo Brasil.
Descobri nesse mesmo dia que ele tinha um sonho: abrir a primeira biblioteca brasileira em Nova York. Mas, como ele mesmo disse naquele dia: “isso aí é trabalho para muitos anos”. Ele desmereceu a sua própria persistência. No ano seguinte, em 2006, a primeira biblioteca brasileira de Nova York foi inaugurada. O espaço foi oferecido pelo próprio Domício, uma sala no térreo de um dos seus prédios, na 52nd Street, no centro de Manhattan.
Eu estava lá e tive o prazer de ver os seus olhos brilharem. E não foi só naquele dia. Depois da abertura da biblioteca, Domício e a sua equipe proporcionaram aos brasileiros e aos americanos amantes do Brasil diversas oportunidades de apreciar o melhor da nossa cultura. Foram muitas leituras, seminários, shows, recitais, exposições, filmes ou um simples, mas riquíssimo, bate-papo para o qual ele estava sempre disponível.
José Domício Coutinho nasceu em João Pessoa em 1931. Ainda criança mudou-se com a sua família para Pernambuco, estado que ele considerava a sua casa e onde obteve um bacharelado em Línguas Anglo-Saxônicas pela Universidade Jesuíta do Recife. Nessa época, Domício queria ser padre e, por isso, foi estudar teologia na Itália, onde formou-se pela Universidade Gregoriana de Roma.
Em 1956, em dúvida sobre a sua vocação, uma bela moça austríaca cruzou o seu caminho. Daí ele desistiu de ser padre. Eles se comunicavam por cartas enquanto Domício estudava no Brasil para obter mais um diploma, dessa vez em Literatura Anglo-alemã. Mas cumprindo uma promessa de ir visitá-la, ele acabou parando e ficando em Nova York. Na época, não havia voos direto do Brasil para a Áustria, então Domício precisou fazer uma escala em Nova York. Com algumas horas livres na cidade, aproveitou para ir a uma missa. Durante uma confissão, que ele fez em latim, o padre, muito impressionado, ofereceu trabalho ao jovem brasileiro. Domício aceitou e foi aí que a sua vida de imigrante nos Estados Unidos começou.
Ele contava que não houve dificuldade alguma para se adaptar a Nova York. Depois de ter vivido em Roma por três anos e ter viajado a Europa, o clima da capital do mundo foi tirado de letra.
Em Nova York, Domício tornou-se um empresário muito bem sucedido do ramo imobiliário. Ele adorava contar como tudo começou.
Ele, que trabalhava para uma companhia aérea na época, e a sua esposa, que não era a austríaca, mas a brasileira Maria Socorro (hoje falecida), resolveram comprar um imóvel, renová-lo e alugá-lo ou vendê-lo. Ele não entendia absolutamente nada de obras, mas viu uma oportunidade e não pensou duas vezes em aprender. Depois do primeiro, vieram outros e muitos outros. Em 1986, Domício com a esposa e os dois filhos iniciaram um negócio de apropriação imobiliária e administração de imóveis.
A paixão pela literatura brasileira andava lado a lado. Em 1999, ele fundou UBENY onde encontrava-se regularmente com outros escritores brasileiros e alimentava o sonho de criar uma biblioteca brasileira. Em 2006, o sonho tornou-se realidade e o espaço hoje tem cerca de 4 mil títulos disponíveis. A boa receptividade que a biblioteca teve o incentivou a ir um pouco mais além e a fundar a Brazilian Endowment for the Arts (B.E.A), uma organização sem fins lucrativos que tem por objetivo promover o intercâmbio cultural entre o Brasil e os Estados Unidos e apoiar artistas locais cujas obras retratam a cultura brasileira.
Por ali, passaram artistas plásticos, músicos, poetas, cineastas, professores, diplomatas e muita gente proeminente. Domício adorava recebê-los. Adorava ver a casa cheia. A pandemia afastou as pessoas e, nos últimos anos, a saúde mais frágil do anfitrião também o distanciou.
Domício Coutinho foi teólogo, autor, escritor, empresário, mas será lembrado sobretudo pelo seu amor a cultura brasileira e seu esforço obstinado para fazê-la existir num país estrangeiro.
KARINE PORCEL
Jornalista
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