A Baía de Guanabara, Rio de Janeiro, representa um paradoxo no imaginário popular. De um lado, é associada à poluição, de outro, um cartão postal do Rio, banhando o Pão de Açúcar, a ilha de Paquetá e com vista para o Corcovado, onde fica a estátua do Cristo Redentor, e para o Dedo de Deus, no Parque Nacional da Serra dos Órgãos.
Na região conhecida como fundo da baía, longe da Ponte Rio-Niterói, ficam extensões de manguezais – um ecossistema tido como lamacento que faz a transição entre os ambientes marinho e terrestre.
É comum entre os barqueiros pescadores se referir ao solo dos mangues como substrato, em vez de lama, para diminuir o estigma existente.
A pescadora artesanal Lucimar Machado, fundadora dos Projetos Luthando pela Vida e Remando o Manguezal compartilha da visão de que o turismo ambiental é uma forma de mostrar a real beleza dos manguezais.
“A gente preserva e quer que as pessoas venham aqui e nos ajudem a divulgar e a preservar esse ambiente, porque a gente vive desse ambiente”, explica Lucimar.
Turismo de base comunitária
De acordo com Pedro Belga, fundador e presidente da organização não governamental Guardiões do Mar, 650 famílias são cadastradas como catadoras de caranguejo, animal que vive nos mangues. As que vivem da pesca são 5 mil, com rendimento médio de R$ 2 mil mensais.
Lucimar descreve a atividade dos pescadores como “turismo de base comunitária”. “A gente faz passeios de caiaque, levando as pessoas para ver a retirada de peixes dos currais (armadilha feita com bambu), para ver botos”.
“Às vezes eu vou em alguns eventos, e as pessoas falam ‘o fundo da baía é podre, tudo sujo’. Então eu falo ‘você acabou de ganhar um passeio de caiaque para conhecer’. As pessoas vêm querendo provar que está tudo sujo e quando chega aqui, se apaixonam pela beleza do local”, conta ela, que também vende artesanato, como brincos feitos de escamas de peixe.
Um dado diz que 83% dos brasileiros sabem o que são manguezais. No entanto, 58% nunca os visitaram.
A informação faz parte da publicação Oceano sem Mistérios: carbono azul dos manguezais, divulgada pelo projeto Cazul, ligado à Guardiões do Mar.
O levantamento foi lançado durante a 16ª Conferência de Biodiversidade da Organização das Nações Unidas (COP 16), em Cali, na Colômbia. O trabalho científico e ambiental é apoiado pela Fundação Grupo Boticário.
Restauração
Alaildo Malafaia tem 62 anos. Há mais de 40 anos trabalha com a pesca na Baía de Guanabara. Há 16 anos, passou a atuar na Cooperativa Manguezal Fluminense, que ele preside. A instituição é parceira da Guardiões do Mar e atua na conservação e recuperação dos manguezais.
“Quando a gente planta mangue, a gente está gerando bioeconomia. Quando a gente faz o turismo de base comunitária, está gerando bioeconomia. O artesanato, nós estamos gerando bionomia”, comenta.
A oceanógrafa Liziane Alberti também enaltece a iniciativa de desenvolvimento sustentável. “Os manguezais também são valiosos para a economia, por exemplo: a pesca artesanal e o turismo são apenas algumas das atividades que se beneficiam da saúde desses ecossistemas”.
Conhecimento tradicional
Além de pescadores serem um braço no trabalho de restauração, a oceanógrafa acrescenta a importância dos saberes tradicionais dessas comunidades.
“As comunidades tradicionais têm um potencial de conhecimento. Carregam um conhecimento tradicional muito rico que é muito importante. Afinal, elas que sabem certinho como funciona a maré e os períodos em que os animais se reproduzem. Então, é muito importante associar todo o conhecimento científico com o conhecimento tradicional”, disse.
“Às vezes, quando a gente consegue investimento para poder cuidar de manguezal, fazer um replantio, uma limpeza, a maioria das empresas já traz essas pessoas de fora, e elas não conhecem aqui. Ficam perdidas ou fazem coisas que não é para fazer. Tem que chamar as pessoas locais, porque somos nós que vivemos dentro do mangue. A gente sabe como é que cuida disso”.
Como prova, Malafaia, da cooperativa, cita uma técnica criada pelos restauradores locais que se mostrou eficaz no esforço de conservação.
“A outra ONG com quem tínhamos parceria produzia mudas no viveiro. Quando levávamos para o campo, perdia-se mais de 50% dessas mudas. Na nossa expertise como pescadores, começamos a pegar os plânctons debaixo da planta mãe, tirar da sombra e levar para a luz, eles não morriam”, descreve.
“O conhecimento empírico é fundamental na regeneração natural do manguezal”, diz ele.
“Não sabia que o meu conhecimento da pesca tinha valor monetário.”
Valor da comunidade
O estudo inédito do projeto Cazul aponta que os manguezais brasileiros têm potencial de ao menos R$ 49 bilhões no mercado de crédito de carbono.
Pedro Belga defende que o saber tradicional sobre conservação e restauração seja levado em conta quando houver divisão de recursos arrecadados pelos mecanismos de compensação ambiental, como o mercado de carbono.
“O saber desses povos orienta. Você junta conhecimento científico e conhecimento popular”, justifica. “Eles têm direito a uma fatia desse mercado também. Daí a conseguir, é uma caminhada”, avalia.
“Quando esse mercado chegar nessa ponta, quando essas pessoas conseguirem se beneficiar desse valor que é pago por hectare de mangue preservado ou conservado ou de floresta conservada, esse mercado poderá aplicar dinheiro em projetos socioambientais dentro dessas comunidades. Essa é a forma desse dinheiro chegar”, completa.
“Ainda é um sonho, mas se virar a realidade, vai ser tudo de bom, todo mundo sai ganhando”, acredita Malafaia.
A área de proteção existe há 40 anos e é considera uma interrupção de um cinturão de desenvolvimento que “sufocava” a Baía de Guanabara.
“O fato de existir a APA [Área de Proteção Ambiental] impede esse abraço mortal, porque se não, toda essa área onde é a APA de Guapimirim também seria urbanizada, impermeabilizada com asfalto, com ladrilho, com lajota e tudo mais”, diz.
Apesar de todos os esforços de conservação, os gestores da unidade reforçam um apelo para todos os moradores dos 17 municípios que formam a região hidrográfica da Baía de Guanabara:
“O lixo é um grande problema aqui porque nós temos muitas cidades próximas, estamos em uma região metropolitana. Jogar lixo nos rios, no chão, isso vai tudo sendo carregado pela água da chuva e sendo levado para os rios para, no final, chegar aqui na Baía de Guanabara”, relata a analista ambiental do Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade (ICMBio), Natália Ribeiro.
Fonte: Agência Brasil