Henry Kissinger, controverso diplomata dos Estados Unidos no período da Guerra Fria, morreu aos 100 anos na quarta-feira (29).
Kissinger, um refugiado judeu nascido na Alemanha cuja carreira o levou da academia à diplomacia, permaneceu uma voz ativa na política externa até os últimos anos. Foi saudado com o Prêmio Nobel da Paz, mas definido por muitos como um criminoso de guerra.
Como Conselheiro de Segurança Nacional e Secretário de Estado dos EUA, conseguiu descongelar as relações do País com a União Soviética e a China.
A sua diplomacia ajudou a pôr fim ao conflito árabe-israelense de 1973; e a negociação dos “Acordo de Paz de Paris” tirou os EUA do Vietnã.
Mas ele foi acusado de apoiar o golpe sangrento que derrubou o governo de esquerda do Chile e de fechar os olhos à “guerra suja” dos militares argentinos contra o seu povo.
Judeu Fugitivo
Heinz Alfred Kissinger nasceu em uma família judia de classe média na Baviera, em 27 de maio de 1923. A família demorou para fugir da perseguição nazista, mas juntou-se à comunidade judaico-alemã em Nova York em 1938.
Ele planejava estudar contabilidade, mas foi convocado para o exército durante a Segunda Guerra Mundial. Ao retornar aos Estados Unidos, estudou ciências políticas em Harvard e subiu na carreira acadêmica.
Entrada para a política
Em 1957, ele publicou o livro, “Nuclear War and Foreign Policy”, que dizia que uma guerra atômica limitada era vencível. Ele afirmou que o uso “tático” e “estratégico” de uma nova espécie de mísseis menores poderia ser racional. O livro fez com que ele fosse notado e a marcha de Kissinger rumo à fama e influência havia começado.
Quando Richard Nixon ganhou a Casa Branca em 1968, ele ofereceu a Kissinger o cargo de conselheiro de segurança nacional. Era o auge da Guerra Fria.
Nixon e Kissinger decidiram reduzir a tensão com a União Soviética, retomando as negociações para reduzir o tamanho dos seus respectivos arsenais nucleares. Simultaneamente, foi aberto um diálogo com o governo chinês. Isto melhorou as relações sino-americanas e colocou pressão diplomática sobre a liderança soviética, que temia o seu enorme vizinho.
Enquanto isso, os EUA tentavam sair do Vietnã.
“Paz com honra” era uma promessa eleitoral de Nixon. Kissinger entrou em negociação com o Vietnã do Norte, mas concordou com Nixon em fazer bombardeios clandestinos no Camboja, em um esforço para privar os comunistas de tropas e suprimentos.
No total, os EUA lançaram mais de 2 milhões de toneladas de bombas em todo o Camboja e enviaram milhares de tropas terrestres. Mais de 50 mil civis foram mortos e milhões fugiram das suas casas. A desestabilização ajudou a dar origem ao regime brutal de Pol Pot e ao movimento Khmer Vermelho, famoso pelos seus “campos de extermínio”.
Mas graças às negociações de paz com os vietnamitas do norte, Kissinger – que virou Secretário de Estado, ganhou o Prêmio Nobel da Paz, uma decisão duramente atacada pelos defensores da paz, já que o diplomata decidiu continuar bombardeando o Sul do Vietnã.
Mas nenhuma posição de Kissinger foi mais polêmica do que seu apoio ao golpe militar do Chile.
A eleição do marxista Salvador Allende como presidente do Chile preocupou os Estados Unidos. O novo governo era pró-cubano e nacionalizava empresas americanas. A CIA realizou operações secretas no Chile, numa tentativa de ajudar grupos de oposição a derrubar o novo governo. Kissinger presidiu o comitê que autorizou a ação.
“Não vejo por que precisamos ficar parados e ver um país tornar-se comunista devido à irresponsabilidade do seu povo”, disse ele. “As questões são demasiadas importantes para que os eleitores chilenos possam decidir por si próprios.”
Eventualmente, os militares intervieram; e Allende morreu num golpe violento que levou o general Pinochet a tomar o poder. Muitos dos soldados que atuaram no golpe foram pagos pela CIA.
Nos anos seguintes, o próprio Kissinger seria perseguido por vários tribunais que investigavam abusos dos direitos humanos e mortes de cidadãos estrangeiros durante o regime militar do Chile.
Poder
Mesmo após deixar posições importantes na Casa Branca, Kissinger continuou guiando e influenciando muitos presidentes. O último foi Donaldo Trump após a eleição de 2017, sugerindo, entre outras coisas, a aceitação da ocupação da Crimeia pelo presidente russo Vladimir Putin.
Um personagem extraordinário, Kissinger esteve no centro do poder durante os eventos mais importantes do século passado.
“Um país que exige perfeição moral na sua política externa”, declarou certa vez, “não alcançará nem a perfeição nem a segurança”.
Fonte: BBC