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Reza a lenda que Dona Beija foi uma das mulheres mais belas do Brasil Império. Encantou homens e enfureceu as mulheres, virou nome de livro, personagem de novela e ganhou um status quase folclórico na história do Brasil. 146 anos depois de sua morte, a história de Dona Beija ainda encanta quem visita as fontes que banharam a bela feiticeira de Araxá.

Ana Jacinta de São José, a mitológica Dona Beija, uma mulher à frente do seu tempo

No dia 2 de janeiro de 1800, na cidade mineira chamada Formiga, Brasil, nascia uma linda menina loura de magníficos olhos azuis celestes que viria a ser uma das mulheres mais influentes de sua época, no Brasil do século XIX. Ela foi uma mulher que conseguiu transformar as adversidades que a vida lhe impôs (e a vida não lhe foi fácil) em oportunidades de superar dificuldades, vencer preconceitos, de fazer fortuna e ter influência até mesmo nos assuntos políticos de sua época.

Seu nome de batismo era Ana Jacinta de São José, mais conhecida pelo seu apelido, “Beija” dado pelo seu avô quando era bem pequena.

Diz a história que seu avô a comparava à flor chamada “beijo” e também ao beija-flor, devido à sua grande beleza e doçura desde tenra idade.

Ninguém sabe dizer quem foi seu pai, mas acreditavam ser um português caixeiro viajante, que seduzira sua jovem mãe e a engravidara. Mas todos sabemos dos preconceitos daquela época em relação a uma moça (sua mãe) que viesse a engravidar fora do casamento. Mas sua família tinha certo status na cidade de Formiga e talvez por isso mesmo, devido ao seu nascimento fora de um casamento, seu avô e sua mãe decidiram se mudar para a cidade de Araxá na província de Minas Gerais, quando ela tinha apenas 5 anos de idade, em 1805.

E embora a família tivesse posses e o respeito da sociedade local, desde pequena Ana Jacinta já despertava inveja devido à sua beleza que só aumentava à medida que ela crescia.

Durante as aulas de catecismo, a menina Ana Jacinta conheceu o menino Manoel Fernando Sampaio, filho de um rico fazendeiro local. Quando estavam, com a aprovação das duas famílias, os adolescentes ficaram noivos. Tudo indicava que o jovem fazendeiro e Ana Jacinta se casariam em breve e que formariam uma família feliz.

Mas às vezes o destino tem outros planos e contra esses estranhos desígnios ninguém pode fazer nada para evitar.

Assim, quando Ana Jacinta tinha apenas 15 anos de idade, a cidade de Araxá recebeu a visita do Ouvidor do Rei Dom João VI, o português Joaquim Inácio Silveira da Motta.

O que ninguém jamais poderia imaginar é que o Ouvidor do Rei, apesar de ser um homem já maduro, ficaria tão fascinado pela beleza de Ana Jacinta, que a mandaria raptar e a levaria consigo para a cidade de Paracatú do Príncipe, onde residia a serviço do Rei Dom João VI.

Seu avô acabou morto pelos dragões do Ouvidor ao tentar impedir o rapto da neta.

Dessa forma, a jovem adolescente Ana Jacinta foi levada para Paracatú do Príncipe, onde foi obrigada a se tornar amante do Ouvidor Joaquim Inácio Silveira da Motta, sem ter mais ninguém para protege-la, já que sua mãe e seu avô estavam mortos.

Na cidade de Araxá ninguém se dispôs a ir atrás da jovem que agora não tinha mais família, pois sua mãe já era falecida a essa época e seu noivo jamais enfrentou o Ouvidor do Rei.

A beleza de Ana Jacinta, a Dona Beija, exercia tanto poder sobre o Ouvidor do Rei, que ele a presenteava com valiosíssimas joias e pedras preciosas e fazia questão de a exibir ao seu lado em todos os eventos da época em Paracatú do Príncipe.

Ana Jacinta era jovem, linda e inteligente o bastante para aprender tudo o que podia sobre política e passou a tirar vantagem desse fascínio que sua beleza e inteligência causava nos homens poderosos da sua época.

Naqueles tempos os homens tinham total supremacia sobre as mulheres. E não era comum uma mulher saber conversar a respeito de assuntos como, por exemplo, política e negócios. E a linda “moça do ouvidor” tinha esse dom, de encantar não só pela sua beleza, mas também pela sua inteligência.

Ana Jacinta não só era bela, como ao participar dos jantares no palácio do Ouvidor do Rei de Portugal, em Paracatú do Príncipe, sabia entreter os convidados também com suas opiniões sobre os assuntos políticos da época e ouvindo as conversas ali trocadas muito aprendeu sobre negócios, política e também sobre o ponto fraco daqueles homens poderosos.

E foi assim, segundo dizem alguns historiadores, que Dona Beija conseguiu influenciar junto ao Governador da Capitania de Goiás, para que em 1816, o então chamado “Sertão da Farinha Podre” fosse definitivamente anexada à Capitania das Minas Gerais.

Ana Jacinta viveu como “a moça do Ouvidor” durante alguns anos, até que o rei Dom João VI, chamou de volta o Ouvidor. E este não teve outra alternativa a não ser voltar à corte e deixar para trás Ana Jacinta, agora conhecida como Dona Beija.

Porém, antes de regressar à corte para nunca mais voltar a Paracatú do Príncipe, o Ouvidor do Rei dotou Ana Jacinta com o suficiente para que ela pudesse levar uma vida digna. Isso somado ao que ela tinha conseguido acumular durante o tempo em que vivera como sua amante, inclusive até uma ou duas minas de ouro, fez dela uma mulher rica e livre.

Ela decidiu, então, regressar a Araxá, cidade que considerava como sua casa.

Ao chegar em Araxá, ela encontrou um ambiente muito hostil. A conservadora e hipócrita sociedade local não a via como vítima, mas como uma mulher sedutora de comportamento duvidoso.

As mulheres da cidade consideravam-na um grande perigo para seus casamentos e para os preconceituosos valores éticos da época. Sendo assim, tornou-se uma pessoa indesejada e marginalizada pela sociedade da cidade.

Revoltada, Ana Jacinta, que tivera a ilusão de refazer sua vida em Araxá como pessoa decente, decidiu que então daria motivos para que aquela sociedade realmente tivesse o que falar mal dela. Com a fortuna acumulada ela comprou um palacete na cidade para viver, mas comprou também um sítio nos arredores de Araxá e construiu uma magnífica casa de campo, com o intuito de instalar um luxuoso bordel, conhecido como a “Chácara do Jatobá”. Na Chácara do Jatobá, ela era apenas Dona Beija, e lá ela recebia os homens mais ricos e poderosos da região.

Todas as noites ela recebia os homens que durante o dia já haviam pago antecipadamente em ouro e pedras preciosas para ter o direito de jantar em sua companhia, vê-la dançar, conversar com ela sobre assuntos diversos e tentar a sorte de ser o escolhido para passar a noite com ela.

Dona Beija se reservava o direito de a cada noite, escolher um homem diferente para dormir com ela, se este lhe pagasse bem.

Diz-se que quando Dona Beija dormia com os homens que selecionava na Chácara do Jatobá, ela muitas vezes usava a chamada “poção do sim ou não”. Juntamente com seu amigo Fortunato, que era o boticário em Araxá naquela época, Dona Beija criava certas poções, conhecidas como a “poção do sim ou não”. Quando Dona Beija não queria dormir com o homem escolhido por ela naquela noite, mas a riqueza do mesmo, por outro lado, a interessava, ela colocava secretamente em sua bebida a poção do “não”. Isso fazia com que o homem não conseguisse manter relações com ela. Claro que o assunto jamais saía da alcova, uma vez que os homens teriam vergonha de confessar o fato. Assim, Dona Beija, sempre muito discreta, recebia pela noite como se tudo tivesse sido consumado e o pretendente com certeza pagaria por outras noites tentando ser novamente escolhido. A poção do “sim”, por sua vez, era usada justamente para o contrário, caso fosse do seu interesse.

Ela se tornou célebre em todo o sertão brasileiro, atraindo os homens ricos e poderosos das regiões mais remotas. E para conhecer os seus encantos esses homens a cobriram de dinheiro, joias e pedras preciosas e ela ficava cada dia mais rica, mais famosa e mais poderosa. E no seu íntimo ela se regozijava de assim vingar-se de todos os que a rejeitaram em Araxá quando cheia de boas intenções ela voltou achando que seria bem recebida.

Diz a lenda que em Araxá existia uma fonte de águas rejuvenescedoras, a “Fonte da Jumenta” ou “Fonte do Barreiro”, água miraculosa, que concedia juventude, saúde e beleza a Dona Beija e onde ela banhava-se todos os dias. Hoje essa fonte ainda existe preservada na forma de um ponto turístico para visitação num hotel da cidade.

Essa famosa fonte, hoje, chama-se “Fonte Dona Beija” e está localizada nos jardins, do Grande Hotel Tauá. Trata-se de uma fonte radioativa e mineral que nasce entre rochas vulcânicas em uma gruta estilizada.

Segundo especialistas, as propriedades medicinais dessa fonte ativam o metabolismo e estimulam a assimilação diurética, atuando como agente hipotensivo e desintoxicante.

As águas da Fonte também ajudam no tratamento de doenças respiratórias, além de fazer bem aos cabelos, à pele e ao organismo de forma geral.

Ao que parece Dona Beija, embora não tenha sido reclamada pelo seu ex-noivo, ainda assim o amava e chegou a ter uma filha com ele, Thereza Thomázia de Jesus, depois de o escolher certa noite na Chácara do Jatobá.

Entretanto, alguns anos depois, numa noite em uma estrada voltando para o seu palacete na cidade, Dona Beija foi atacada por dois negros escravos desconhecidos, dos quais levou uma surra tão grande que a deixou muito machucada e de cama por vários meses.

Tempos depois de recuperada ela descobriu que o mandante da surra que levou foi seu ex-noivo, motivado por ciúmes, desejando que ela fosse obrigada a fechar a Chácara do Jatobá.

Após ter ciência desse fato, Dona Beija não conseguiu perdoar e mandou matar seu ex-noivo e pai de sua filha Thomázia. Por esse crime Dona Beija foi presa e foi a julgamento, tendo sido completamente inocentada com a ajuda de seus fiéis, sinceros e poderosos amigos, que apesar de tudo ela os tinha em grande quantidade no Araxá e região.

Dona Beija teve uma segunda filha, Joana de Deus de São José.

Em meados de 1853, Dona Beija, então com 53 anos de idade, resolveu finalmente deixar a cidade de Araxá, mudou-se para a cidade de Bagagem (hoje Estrela do Sul).

De pronto, comprou um garimpo de diamantes em Bagagem e ganhou muito dinheiro, aumentando sua fortuna.

Ana Jacinta, a famosa Dona Beija, faleceu de nefrite aos 73 anos de idade, em 1873, na cidade de Bagagem, hoje Estela do Sul (MG), tendo sido enterrada em um rico caixão com adornos de zinco feitos a mão por laboriosos artesãos locais.

Em junho de 2011, durante escavações para a construção de um chafariz na praça da matriz da cidade de Estrela do Sul, foi encontrado um caixão com adornos de zinco, contendo os restos mortais de uma mulher que se suspeita sejam de Dona Beija.

Essa foi a mulher, Ana Jacinta de São José, Dona Beija, a deusa do Araxá, que encantou os homens mais poderosos daquela época e influenciou a política e a vida de muitos, como nenhuma outra mulher no seu tempo, nos confins do sertão brasileiro.

Uma mulher que soube transformar o “limão” em “refrescante limonada”, uma mulher que soube enfrentar os preconceitos da sua época e sozinha e, qual fênix, se ergueu das cinzas que calcinaram o seu destino.

Essa foi Ana Jacinta de São José, a Dona Beija – um símbolo da mulher que não se deixa abater!

Ossada é o novo mistério de Dona Beija

A mítica loira, que encantou homens na região de Araxá, virou nome de livro, personagem de novela e ganhou um status quase folclórico na história do Brasil. Agora, 138 anos depois de sua morte, o paradeiro de Ana Jacinta de São José; pode estar próximo de ser desvendado.

Em um antigo cemitério em Estrela do Sul, cidadezinha mineira de pouco mais de 7 mil habitantes, onde ela teria sido enterrada, foram encontrados ossos que muito provavelmente pertenceram à celebre cortesã e líder política. O achado é a mais nova polêmica a cercar uma mulher que, por sua posição política e pelo comportamento social, marcou a primeira metade do século 19.

Os ossos foram encontrados por acaso. Durante a obra para a construção de um chafariz, na praça central da cidade, um dos pedreiros achou objetos que se pareciam com ossos. Registros históricos mostram que até 1925 funcionou no local um cemitério, onde Ana Jacinta teria sido enterrada. Os mesmos registros garantem que a família de Beija decidiu não transferir os restos mortais da célebre mineira quando o cemitério foi desativado, no início do século passado.

Além de ser uma das poucas remanescentes do antigo cemitério de Estrela do Sul, outro indício liga a célebre mineira aos ossos encontrados. Em meio ao material desenterrado, também foram achados restos de zinco. Quando morreu, em 1873, ela pediu que seu caixão fosse adornado com enfeites de zinco, justamente o material encontrado junto aos ossos, e, na época, algo muito pouco comum.

Essa não é a primeira vez que os restos mortais de Ana Jacinta criam polêmicas nas cidades do Alto Paranaíba. Em 1996, a prefeitura de Araxá propôs a busca pelas ossadas; as que supostamente foram encontradas agora; à prefeitura de Estrela do Sul. No entanto, uma briga entre os dois municípios, sobre quando fossem encontrados, impediu que o empreendimento fosse a diante.

Agora, pesquisadores devem fazer exames mais detalhados para saber se trata-se mesmo de Beija ou se essa será apenas mais uma polêmica dentre tantas que permeiam a história da mítica mulher mineira.

A marca de Dona Beija

Carlos Henrique Vieira, monitor do museu criado em sua homenagem, conta sobre o comércio e sobre pertences de Dona Beija: “O museu tem 46 anos. Desde sua fundação com Assis Chateaubriand, em 1965, é o mito de Dona Beija e os indícios de que ela foi uma mulher à frente de seu tempo que atraem turistas de longe até aqui. O museu tem objetos que foram de uso pessoal dela, como uma balança de cobre, um medalhão do sagrado coração de Jesus em ouro e documentos. Existem mais peças e objetos que não foram dela, mas que ilustram o século XIX. O nome já caiu em domínio publico, assim existem vários produtos que carregam seu nome no comércio de Araxá: café, cachaça, mussarela, queijo e doces. Sendo assim, todos esses produtos são tradicionais da nossa cidade e adotaram o nome Dona Beija como marca.”

Mais que um mito

Raquel Costa, professora de História, acredita que Dona Beija virou mito, pois não era uma mulher comum e fala um pouco sobre suas aptidões e trajetória: “Depois do romance (ficção) ‘A vida em flor de Dona Beija’, escrito por Agripa Vasconcelos, e após a telenovela exibida na Manchete em 1986, o nome e um pouco da história de Dona Beija tiveram uma maior repercussão. Ao contrário do que todos acham ou sabem por meio da ficção, na realidade não há pesquisas que comprovem que Dona Beija foi uma cortesã, tampouco uma mulher conhecida por encantar muitos homens, devido sua beleza. Foi mãe solteira, teve duas filhas: Thereza Thomázia e Joana de Deus. Estudando sua história mais afundo, não a vejo como a mídia mostrou ou a internet, ou mesmo livros romancistas. Dona Beija foi uma mulher inteligente, proprietária, excelente negociadora de escravos, lutava para melhoria de sua cidade. Herdou terras, participava de reuniões em sua chácara, teve um grande interesse na garimpagem de diamantes, contribuiu financeiramente para a construção da ponte do rio Bagagem. Participou tanto da vida política, que conseguiu casar suas duas filhas com homens influentes e tradicionais daquela época. Mais do que um mito, ela era uma mulher que lutava pelos seus ideais.”

Música

Sua história foi musicada por Aurinho da Ilha e cantada por José Bispo (Jamelão) em 1968, no enredo “Dona Beija, a Feiticeira de Araxá”, tema da escola de samba carioca Salgueiro, em 1968. Seu nome também teve repercussão no samba-enredo “Araxá – Lugar alto onde primeiro se avista o sol”, da Beija Flor de Nilópolis (RJ), cantado por Luiz Antônio Feliciano (Neguinho da Beija Flor), em 1999.

Fontes: bomdia.eu, www.correiobraziliense.com.br

 

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