Geralmente quase todas histórias e fatos fantasmagóricos começam com o cuidado especial de alertar o leitor com um “dizem, conta-se por aí, fala-se…” isto para prepará-lo para não levar susto no final feliz …

Num destes contos de Corinto, se não me engano, vamos lembrar de uma Noviça que apareceu na cidade vinda de não se sabe de onde, e como, o que não importa, apareceu no Colégio das Irmãs Franciscanas, fugindo de tudo… de uma desilusão amorosa, do ranço da família de uma das cidades das cercanias, do falatório do povo da vizinhança…. Enfim, vinha toda carregada de agonias, em pleno frescor da juventude, de demônios que precisavam ir ficando pelo caminho.

Em Corinto encontrou a paz, a oportunidade e acolhida para se redimir de tudo aquilo que poderia se tornar aquele seu tormento em algo possível de se viver.

E foi levando numa uma nova etapa e trajetória de vida e talvez felicidade.

Quem era? Era uma jovem lá pelos seus 20 poucos de uma beleza radiante, dentes como perolas, e cara de anjo que encantava principalmente as crianças que a chamavam-na de Tia.

A bem da verdade o pessoal praticamente não conhecia os termos Noviça e se referia a ela como a nova Freirinha que se preparava com afinco, no noviciado para se tornar em breve numa freira mestra, para a sua consagração religiosa.

Não incomodava nada e a ninguém e aos poucos foi caindo nas graças imediatas da Madre Superiora que adorava sempre tirar uma soneca, assim que possível ate mesmo nos sermões longos e confusos dos padres, levando de forma tranquila a sua obesidade pouco se importando com o mundo e as voltas que ele dá. Adorava chocolates e rapaduras.

A Irmã Celina e seu guarda chuva preto sempre a presenteava com alguma guloseima bem açucarada, como as famosas fatias de pães e roscas da Padaria Globo caramelados até a alma.

A Noviça ou a Freirinha passou a ser uma das novidades mais costumas de Corinto, mesmo que discretamente, uma vez que vinha preparada com os seus votos de pobreza, castidade e obediência propostos pela Igreja Católica já que lá atrás tinha passado o diabo para sair do inferno astral em que vivera.

Usava um hábito religioso belo e distinto, mostrando toda a consagração como uma das noivas de Cristo. Por isso mesmo, a beleza do hábito acabou virando um algo natural, banco e azul diferenciado das roupas pesadas de lá das outras irmãs.

Em suas andanças além dos limites do Colégio das Irmãs, começou a conhecer pessoas mais ao menos da sua idade e foi numa destas oportunidades que encontrou Eliana de Matos, filha do saudoso Hely de Matos da Serralharia, família tradicional da cidade.

Eliana de Matos tocava Sanfona antes do início dos filmes no Cine Rex, cinema dos padres que só passava filmes açucarados, melodiosos, de família e etc.…

Eliana em seu impetuoso dom artístico fazia parte de um grupo avançado e genial com Suzana Diniz, Rainha dos Patins com suas piruetas sobre rodas ao som do “Danúbio Azul, “ sempre solicitada para enaltecer eventos. Ali descobriu-se que a Noviça ou a Freirinha cantava e tocava violão de ouvido. Uma aquisição perfeita e combinação para um grupo jovem que ganhava corpo.

A Noviça ou Freirinha passou a fazer parte do contexto da modernidade. Cantava e tocava violão junto com Eliana.  Um algo bonito de se ver antes das apresentações dos filmes.

Quem também se incorporou ao grupo foi Gildete Boaventura, filha de Rafael Boaventura, comerciante abastado que a presentou com uma Vespa, Lambreta como presente de aniversário de 18 anos, deixando a todos de boca aberta.

Noeme Coelho, uma comerciante astuta e rápida no ímpeto de suas invenciones viu aquilo como uma oportunidade de ouro e resolveu aproveitar o momento para criar um programa de Calouros e descobrir talentos como era a moda de época.

Se aquilo fosse a algum lugar, não importa. Os talentos estavam ali para serem usados e lançados no mundo.

Os padres adoravam aquele publico que não criava o menor problema. Aos domingos eram o dia das crianças se reunirem na saída das sessões de matines para trocar Gibis, Bolas de Gude e se divertir na pureza da idade.

E a coisa ia por aí com uma certa tranquilidade e a cidade vivendo suas coisas, seus amores, suas pequenas conquistas e, sem nunca esquecer de seus trens, de seus trilhos e dos muitos filhos que partiam para a capital ou outras cercanias para aprender melhor e voltar doutores, cheios de grandeza.

Não se sabe de onde saiu a ideia, mas na certa foi Gildete Boaventura que teve a genial ideia de colocar a Noviça ou Freirinha no comando de sua Lambreta, sua Vespa pelas ruas da cidade causando um furor nas mentes conservadoras e ligadas a igreja.

Um disparate. Um acinte? Pecado? Avanço?

Isto fez com a Madre Superiora acordasse do seu longo período hibernático para agir, antes que o caldo das morais e bons costumes desandasse.

Achava ela que o falatório da cidade poderia afetar a vida do Colégio expondo as outras irmãs no mesmo pacote.

Pediu para que Freirinha fosse transferida para outro um rincão de preferência bem longe dali para não colocar o colégio no centro daquilo que já era considerada loucura.

Houve protesto a favor e contra e o pacote foi cair bem no colo de um jovem padre holandês e inexperiente chamado de Marco Aurélio, que talvez nem soubesse o que estava fazendo por ali.

Era uma coisa confusa pois ele não falava nada de português. A missa era em latim e confusão toda em português.

O povo adorava a confusão, o disse que que disse.

Tantos em quase todas as exéquias pairava a confusão.

Será que realmente foram casados? Batizados? Encomendados?

No fundo, bem no fundo, a pessoa saia dali com um pé atrás na fé….

Principalmente nas festas.  O jeito de obter certeza de que a coisa havia dado certa era levando o Padre para dentro da festa para garantir que o trabalho tinha sido feito de acordo com as leis da Igreja.

Mas o episódio da Freirinha acabou mexendo com a vida da cidade fazendo com que aquilo acendesse um sinal de alerta como andava a vida daquela gente.

Nos bastidores a coisa parecia correr numa certa normalidade, o que não era verdade, dentro do possível, dividindo a casta social em três distintas áreas.

Perceberam que estavam ou na malha ferroviária e suas nuances, esperando com paciência a chegada do Trem Pagador que todo mês chegava religiosamente na cidade, ou na vida social das festas e festividades dos dois clubes sociais ou como ultima opção a vida religiosa das igrejas, das festas dos santos, das promessas, dos terços e dos etc.

Sem dúvidas, a ultima opção era a mais fácil e não exigia muito.

A maioria dos padres vinham de lugares inimagináveis, falando sotaques complicados e misturados.

As missas celebradas em latim e com os celebrantes sempre de costas para o público. O evangelho era lido em latim e homilia em idiomas dos padres. Uma salada russa. Uma verdadeira confusão na cabeça dos fiéis, que saiam dali mais confusos do que chegaram.

Das missas eles reforçavam o aprendizado de obediência aos mandamentos da lei de Deus, sempre recomendando serem bonzinhos e observadores da fidelidade do casamento, como dogma principal até que a morte separasse os casados.

Quem assim comportando e obedecendo aos também mandamentos da Igreja, que não se sabe de onde saiu isto, na certa também iria para o céu.

Assim, sem muito mistério o que era sano era frequentar a igreja, colaborar com as obras sociais mesmo não entendendo nada, mas marcando território e fidelidade assegurando que assim que fechasse os olhos da vida eterna, estaria indo ao encontro de Deus.

Os padres adoravam as confissões das beatas e de alguns fieis desgarrados que apareciam pois era ali de vez em quando contando tudo que se passava no miolo da comunidade. Eles tinham controle quase que absoluto de tudo.

Certa feita, apareceu na cidade um assassino, matador de aluguel que vivia sendo procurado pela policia. Foi preso e se recusou confessar a Policia seus crimes.

Por orientação do advogado, uma destas raposas velhas, chamado Dr. Hugo Machado, que de ética não tinha nada, defendia ao mesmo tempo a vitima e autor do crime, sugeriu ao seu cliente confessar tudo ao Padre que não podia contar nada além do confessionário.

O padre acabou virando testemunha muda, justificando não poder revelar nada daquilo que sabia. O assassino confesso não podia ser pressionado pois sua confissão estava com o Padre.

O Juiz do caso não podia pressionar ao Padre e o assassino já tinha feito a confissão. Um problema que nem júri internacional, na época, poderia solucionar.

O preso foi ficando por ali, sem solução de seu caso até morrer de desgosto e de arrependimento pelo seu tenebroso passado.

E a Freirinha, a Noviça? Você me pergunta.

Soubesse por aí…dizem que foi mandada para um interior bravo do estado, longe de tudo, onde não havia luz, não havia nada, numa obra social que estava iniciando, a luz de velas e lampiões, local perdido no mundo, de difícil acesso, discreto e pequeno, cheio de crianças carentes e perdidas.

Parece que por ali permaneceu por muito tempo envelhecendo com sua missão religiosa, conforme tinha prometido no inicio de suas andanças.

EDILBERTO LUCIANO MENDES (Betinho)
Jornalista Internacional

 

LUCIANO SCREVEU

By LUCIANO SCREVEU

Jornalista

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