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A América Negra celebra o Juneteenth desde 19 de Junho de 1865, quando as tropas norte-americanas chegaram ao Estado do Texas para anunciar que o conflito terminou com a rendição da Confederação, no mês de Abril.

Isso aconteceu dois meses após Appomattox, a pequena cidade no Estado americano da Virgínia, onde o general confederado Robert E. Lee entregou a sua espada em rendição ao general americano Ulysses S. Grant.

No entanto, a notícia do fim da rebelião ainda não tinha viajado pelos Estados que se separaram em 1861.

De África para a América, a Odisseia da Escravatura

Juneteenth (oficialmente chamado de Juneteenth National Independence Day ou Jubilee Day, Emancipation Day, Freedom Day ou Black Independence Day) é um feriado nacional nos EUA que comemora a emancipação dos afro-americanos escravizados. É normalmente visto como uma celebração a cultura afro-americana. É um dia de lembrança, renovação e celebração. É um período reservado para conhecer, refletir, e se aprofundar sobre a experiência afro-americana.

A permanência da escravidão foi uma das questões políticas mais importantes dos Estados Unidos no século XIX, e foi também causa central da Guerra Civil. Como em tantos outros lugares no mundo, inclusive e talvez especialmente no Brasil, o trabalho escravo foi fundamental para algum sucesso econômico dos territórios colonizados.

O caso dos EUA apresenta um ponto ainda mais central de destaque: a escravidão lá praticada foi o que possibilitou à Inglaterra o pioneirismo na Revolução Industrial (1780-1840). O algodão produzido sob o suor e sangue dos negros escravizados chegava a preços ridiculamente baixos nas fábricas inglesas. Depois de ser processado nos novos teares mecânicos, viravam tecidos que se transformavam em lucros exorbitantes nos bolsos dos primeiros burgueses — que exploravam também a força de trabalho dos paupérrimos operários ingleses.

A escravidão nos EUA possibilitou o surgimento do capitalismo e a escravidão no Brasil e na América Latina forneceu os alimentos para que a força de trabalho não padecesse de fome.

A Proclamação e a Guerra Civil

Abraham Lincoln, foi eleito presidente americano em 1860 com uma campanha abertamente abolicionista. Em 1861, sete estados do Sul dos EUA, onde a escravidão era mais forte e ainda era a base da economia, declararam que iriam se separar do país. Estava formada a Confederação e o cenário de guerra que estava por vir.

Para fortalecer a instituição da escravidão e aumentar as plantações e os lucros, a Confederação formou forças militares com o objetivo de ganhar territórios. Forças opostas, que tentavam unir o país (por isso chamadas de União), tentaram evitar o conflito, mas não conseguiram e ambos os lados se prepararam para a guerra. Em abril de 1861, o conflito estourou. Foram quatro anos de guerra e de gente pegando em armas para defender o direito de escravizar negros africanos e afro-americanos.

Aos poucos, as forças da União foram avançando. Quando os primeiros raios de sol do ano de 1863, Abraham Lincoln preparava uma Proclamação que libertaria os 32 milhões de negros que ainda eram escravizados no país. Entretanto, ao lembrar apenas dessa data, esquecemos de uma questão: a maioria desses escravizados estavam no sul dos EUA e para que essa Proclamação pudesse ser realmente aplicada, as tropas da União precisariam avançar e derrotar de vez a Confederação.

A escravidão nos estados do Sul ainda permaneceu por algum tempo. Em Delaware e Kentucky), escravizar pessoas ainda era legalizado. Também no Texas a escravidão se manteve viva, inclusive depois de acabar nos outros estados do sul.

Alguns motivos são apontados como possíveis responsáveis pelo Texas ter sido o último estado a acabar com a escravidão. O primeiro é que os senhores de escravizados esconderam as notícias sobre a Proclamação. O segundo é que um mensageiro que levava as notícias foi assassinado antes de chegar ao Texas. O terceiro é que as tropas da União retardaram sua chegada ao Texas para que os fazendeiros pudessem ter uma última colheita com trabalho escravo. Independentemente disso, a escravidão só viu o seu fim com a chegada do general da União, Gordon Granger.

Era 19 de junho de 1865 quando o general Gordon Granger comunicou a Ordem nº 3, que acabou com a escravidão no Texas.

“Informo, ao povo do Texas, que de acordo com a Proclamação do Executivo dos Estados Unidos, todos os estão livres. Isso implica em uma igualdade absoluta de direitos e direitos de propriedade entre os ex-senhores e os ex-escravos, e a relação até então existente entre eles se torna aquela entre empregador e trabalhador livre.”

Ao anunciar a “Ordem Geral Nº 3”, libertou de cerca de 250 mil negros ainda escravizados em todo o Texas.

“O povo do Texas é informado de que, de acordo com uma proclamação do Executivo dos EUA, todos os escravos são livres”, lê-se na ordem.

Já em 1866, Juneteenth – uma contração de “June Nineteenth” (19 de junho) – foi celebrado pela população negra do Texas. Os ex-escravos usaram este dia para se reunir, para se alegrar e planejar maneiras de superar ou erradicar as desigualdades e injustiças contínuas, especialmente quando as leis de Jim Crow, as que impunham a segregação, entraram em vigor. A princípio envolvendo reuniões comunitárias centradas em igrejas no Texas. Acabou se espalhando pelo sul dos EUA e se tornou mais proeminente nas décadas de 1920 e 30. Durante a Grande Migração, milhares de afro-americanos deixaram o sul em busca de mais oportunidades e para fugir das políticas segregacionistas. Isso fez com que a celebração do Juneteenth se espalhasse pelo país, com celebrações agora ocorrendo nos quatro cantos dos EUA.

No entanto, por conta das forças econômicas e culturais do início do século 20, a celebração recebeu menos apoio financeiro, causando um declínio nas comemorações fora do Texas. Além disso, nas escolas e nos livros de História, pouco se fala na ordem do general Granger, e a data foi esquecida pela sociedade.

Durante o movimento dos direitos civis, durante as turbulentas décadas dos anos 1950 e 1960, foi ampliado essas celebrações pelos protestos por igualdade, à medida que os negros americanos exigiam e recebiam proteção legal em matéria de habitação, votação, emprego e outros assuntos importantes. A partir da década de 70, o Juneteenth voltou a ganhar popularidade na comunidade afro-americana.

O simbolismo do dia da liberdade que é o dia 19 de Junho manteve-se forte.

Através do legislador estadual afro-americano, chamado Al Edwards, o Texas se tornou o primeiro estado a tornar a Juneteenth um feriado oficial, em 1980. Atualmente, quase todos os estados, e o Distrito de Columbia, realizam esta comemoração memorável.

Agora, muitos o veem como o verdadeiro Dia da Independência dos Estados Unidos, quando todas as pessoas finalmente foram livres, independentemente de sua raça. Em 2020, com as tensões raciais nacionais em alta na televisão após o assassinato de George Floyd, a noção de Juneteenth foi amplamente compartilhada na mídia em todos os EUA, e não apenas em pequenos bolsões do país, culminando com a assinatura pelo Presidente Joe Biden da legislação de 17 de Junho de 2021, que tornou o dia 19 de Junho num feriado federal.

O 19 de Junho é o segundo feriado oficial do Governo dos Estados Unidos em honra dos negros americanos.

O primeiro homenageia o aniversário de 15 de Janeiro do campeão dos direitos civis e mártir Dr. Martin Luther King, Jr., em reflexo dele e das lutas e sacrifícios do povo negro nos EUA.

E para o segundo feriado americano de Junho, uma mulher negra, Ka-mala Harris, senta-se como vice-Presidente dos Estados Unidos.

Embora os grilhões da escravidão tenham sido quebrados há quase 150 anos, os defensores dos direitos das minorias dizem que muito ainda tem de ser feito para proporcionar às pessoas de cor nos EUA um “lugar pleno à mesa”.

Eles apontam para factores económicos e sociais que continuam a prejudicar os negros e outras minorias.

Nos últimos anos, Juneteenth ganhou maior reconhecimento e observância, transcendendo suas raízes históricas e espalhando sua mensagem de liberdade e igualdade. Juneteenth foi designado feriado em reconhecimento de sua importância histórica e a necessidade de reconhecer a complexa história de escravidão e injustiça racial do país.

O significado de Juneteenth vai além de um único dia de comemoração. Serve como uma oportunidade para indivíduos, comunidades e instituições se engajarem em diálogo, educação e ação para desmantelar o racismo sistêmico, promover a justiça social e fomentar a inclusão. Ao abraçar os valores do dia de junho ao longo do ano, podemos trabalhar para criar uma sociedade mais igualitária para todos.

A Comemoração do Juneteenth

Juneteenth é um dia de celebração, reflexão e aprendizado. As celebrações incluem muita comida, apresentações culturais e reuniões familiares. Contudo, para diversos afro-americanos, também é um dia de orações e reverência à memória dos ancestrais que lutaram pela liberdade e pela manutenção da cultura. De acordo com o site juneteenth.com, vários descendentes de ex-escravizados no Texas até hoje peregrinam até Galveston, a cidade em que Gordon Granger emitiu a Ordem Número 3, para comemorar o dia. É um momento para homenagear as contribuições dos afro-americanos para a sociedade, sua herança cultural e refletir sobre o progresso feito em direção à igualdade racial.

Resiliência e Empoderamento

Juneteenth serve como um lembrete comovente da força, resiliência e determinação demonstradas pelos afro-americanos ao longo da história. É uma celebração de sua liberdade, mas também um reconhecimento dos desafios enfrentados durante e após a escravidão. Juneteenth reúne o espírito de resiliência, unidade e a luta contínua por igualdade e justiça. É um dia para reconhecer e ampliar as vozes afro-americanas, destacando suas conquistas, contribuições e a luta contínua contra o racismo sistêmico.

Juneteenth permanece como um lembrete poderoso da jornada em direção à liberdade, a força do espírito humano e a luta contínua pela igualdade. Ele celebra os triunfos do passado enquanto inspira esperança para o futuro. Ao comemorarmos o dia 19 de junho, vamos honrar a resiliência daqueles que vieram antes de nós, amplificar as vozes dos marginalizados e nos comprometer com a busca por justiça, igualdade e verdadeira liberdade para todos.

Disputas em torno da memória da escravidão

Vez ou outra a gente se perde num debate sem pé nem cabeça que tenta descobrir — como se fosse possível comparar — em que país vigorou a pior escravidão: Brasil ou Estados Unidos? Esse debate ocasionalmente desemboca em um outro de mesmo tipo, que tenta aferir qual das duas nações tem o pior racismo.

Se, por um lado, é impossível — e até mesmo contraproducente — chegar a algum lugar com isso, por outro, é sempre possível e saudável observar as distintas experiências históricas como aquilo que elas realmente são: diferentes. A história de um lugar não precisa ser melhor ou pior que a de outro para ter sua importância, seja esta regional ou não.

Há também que se considerar a semelhança que existe dentro da diferença. Sim, a escravidão se manifestou historicamente de uma maneira diferente entre Brasil e Estados Unidos. Assim como as manifestações do racismo divergem de um país para o outro. Isso não muda, porém, o fato de ambos os países terem se construído sobre a escravização de negros e negras oriundos do Continente Africano. Como também não muda o fato de nossos ancestrais terem resistido das mais variadas formas desde o primeiro dia em que puseram seus pés na América.

Se a história oficial em torno do Juneteenth faz questão de lembrar apenas do Presidente e do general brancos, ela esconde a participação direta de negros e negras que tiveram importância vital na conquista da liberdade de seus irmãos e irmãs. Os exércitos da União contavam com milhares de ex-escravizados das colônias do Norte que, vendo-se livres, dispuseram-se a lutar pela liberdade dos seus.

Nos EUA, no Haiti, no Brasil ou no restante da América Latina… onde quer que seja, a luta dos nossos é a principal responsável pela superação da escravidão. “Me recordo dos meus ancestrais, todos continuaram”, canta Baco. E é isso mesmo, aqui e em todo lugar. A luta do nosso povo é a experiência universal da vida na diáspora. Que não mais percamos tempo medindo opressões. Que olhemos para as diferenças das nossas trajetórias apenas como diferenças. E, mais do que isso, que possamos aproveitar as semelhanças que existem nessas trajetórias para nos reunirmos em torno daquilo que nos aproxima: a luta. Feliz Juneteenth pra gente. Lutemos.

Fontes: voaportugues.com, wikipedia, brzinsurance.com, negre.com.br & aventurasnahistoria.uol.com.br.

 

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